quarta-feira, 13 de julho de 2011

O tiozinho mais bonito da cidade (Alvaro Pereira Junior)




Chico Buarque precisou de quase 50 anos para, na internet, encontrar seus detratores e desafetos



DEMOROU 67 ANOS, mas Chico Buarque, tiozinho boa-pinta, pegador discreto, "sex symbol" de moças das mais variadas extrações, descobriu: há quem o odeie.
De tão importante e inesperada, a epifania buarquiana foi registrada em um vídeo curto, retrato em branco e preto de 1min27seg, sucesso on-line (tiny.cc/9y7rv).
Chico teve a revelação ao navegar na internet. Em algum texto que se referia a ele, o compositor clicou na área de comentários. Descobriu então que era copiosamente xingado de "velho", que um monte de gente lhe desejava o pior, tinha-o em péssima conta.
Até então, segundo conta às gargalhadas no vídeo, Chico baseava sua popularidade no que sentia e ouvia nas ruas e nos shows. Abraços, saudações, carinho, aplausos. Por décadas a fio.
Massacre popular contra esse artista, a história só registra um, em setembro de 1968. O Maracanãzinho solapou de vaias Chico e o parceiro, Tom Jobim, pela vitória de uma música deles, "Sabiá", no Festival Internacional da Canção (o público preferia "Pra Não Dizer que Não Falei das Flores", de Geraldo Vandré). Mas foi um protesto isolado.
Durante o regime militar, era fácil gostar de Chico. Ele representava resistência. Não "desbundou" (falava-se assim) em plena repressão, como Caetano Veloso, que queimou o filme entre os mais "politizados". Não caiu no protesto brega e piegas, como Gonzaguinha, de quem os críticos preferiam manter distância.
Mesmo confinado pelos cânones do samba e pela temática quase sempre "de protesto", Chico Buarque nunca perdeu a sofisticação poética.
Foi perseguido pela censura, chegou a se exilar, mas manteve, durante os piores anos de repressão, sucesso de público e de crítica (esta, quase sempre alinhada com o realismo socialista preconizado pelo Partido Comunista Brasileiro, o Partidão, do qual o compositor também era muito próximo).
Mais recentemente, Chico tornou-se escritor de sucesso. Ano passado, foi alvo de crítica e maledicência no meio literário, por causa de um prêmio supostamente não merecido. Mas nada que envolvesse o grande público.
Ou seja, se considerarmos que a carreira dele começou na primeira metade da década de 1960, Chico Buarque precisou de quase 50 anos para, na internet, encontrar seus detratores.
Agora, vamos ao contraponto: a velocíssima ascensão da Banda Mais Bonita da Cidade. Esse grupo indie de Curitiba, você sabe, é o grande fenômeno musical do Brasil em 2011. Tudo por causa de um clipe estilo MPB-Hare Krishna-Meninos de Deus que gravaram na casa de uma amiga, chamado "Oração" (tiny.cc/pqr5x).
Postado no YouTube no dia 17 de maio, o vídeo foi visto até agora mais de 6 milhões de vezes.
Com menos de 24 horas no ar, provocou uma tormenta devastadora de amor e ódio. De um lado, uma devoção quase religiosa ao grupo, à canção e a sua "mensagem". Do outro, em número bastante considerável, detratores enfurecidos pelo estilo riponga e forçadamente alegre da banda.
Em meio à violência dessas reações tão contraditórias quanto instantâneas, reportagens em jornais, sites, aparições na TV, mais vídeos no YouTube, polêmicas com outros indies, shows, contatos com gravadoras...
E agora? Não sei. Nunca mais ouvi falar da banda. Soube que tocaram há pouco em São Paulo. Espero que ganhem dinheiro de algum jeito.
Mas, ainda que os curitibanos simplesmente desapareçam, uma coisa ninguém tira deles: em menos de dois meses, a Banda Mais Bonita da Cidade teve um contato mais intenso e verdadeiro com o público do que Chico Buarque em meio século de carreira. Por mérito (ou culpa) da web.
Claro que a internet tem seu lado sombrio, definido à perfeição por Carlos Heitor Cony, há alguns anos, aqui mesmo na Folha: "Cloaca de ressentimentos, inveja, calúnias, impotência existencial, fracassos profissionais (...)".
Mas também tem um poder incomparável de "reality check", de suspensão de hipocrisias.
Bem-vindo ao século 21, Chico Buarque. Em caso de dúvida, deixe um comentário, com seus contatos, em qualquer vídeo da Banda Mais Bonita da Cidade no YouTube. Pode até criticar. Eles estão acostumados. 

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