quarta-feira, 30 de novembro de 2011

'Felicidade sim' (Antonio Prata)


Vivi por 34 anos sob o jugo do chuveiro elétrico. Ah, lastimável invento! Já gastei mais de uma crônica amaldiçoando seus fabricantes; homens maus, que ganham a vida propagando a falácia da temperatura com pressão, quando bem sabemos que, na gélida realidade dos azulejos, ou a água sai abundante e fria, ou é um fiozinho minguado e escaldante, sob o qual nos encolhemos, cocuruto no Saara e os pés na Patagônia, sonhando com o dia em que, libertos das inúteis correntes (de elétrons), alcançaremos a terra prometida do aquecimento central.
Reclamo de barriga cheia? Sem dúvida. Há problemas bem mais sérios neste mundo, mas sejamos honestos: a morte do vizinho não anula a minha dor de dente -e um banho ruim é dez vezes mais triste que uma dor de dente. Afinal, um molar, quando para de doer, não é capaz por si só de nos dar alegria. Já o banho, quando é bom... Que contentamento uterino é ter a pele envolvida por água abundante, sentir o jorro de 50ºC, no auge do inverno; orgasmo da epiderme!
Dizem os psicanalistas que, quando pequenos, temos prazer em cada centímetro do corpo. Com o passar do tempo, contudo, também a pele vai sendo adestrada, e a libido acaba restrita às "red light zones" de nossas íntimas moradas. Eis a nossa sina, buscar em vão o Éden perdido: na mulher amada, nas religiões, nas drogas, ou -por que não?- numa ducha quente.
Durante a infância, ouvia minha mãe reclamar do banho e lamentar, frustrada, que não valia a pena fazer reforma numa casa alugada. Aos 20, fui morar sozinho e vi-me repetindo o mesmo discurso; vicissitudes do inquilinato. No mês passado, contudo, depois de ter casado, juntado os trapos e os FGTS, conseguimos um financiamento e atingi, ao mesmo tempo, o sonho da casa própria e do aquecimento central.
Com um boiler pra chamar de meu, pensei, meus problemas haviam acabado. Toda melancolia escorreria pelo ralo. Cheguei a imaginar que a metafísica não fosse, como disse o asno de Sancho Pança, uma decorrência do estômago vazio, mas do incômodo térmico: não seriam os pés frios a razão de querermos anular o corpo e inventar outras realidades -mais morninhas? Houvesse aquecimento central na idade da pedra, teríamos necessitado dos deuses? Tivesse Descartes um bom chuveiro, talvez não desconfiasse tanto dos sentidos, a ponto de afirmar que só pelo pensamento podia afirmar sua existência.
Pois bem, mudei-me: por 29 dias e 29 noites, fui feliz como um bebê no líquido amniótico. Se, no meio da tarde ou da noite, o tédio ou a tristeza me visitavam, lembrava do último banho, imaginava o próximo e sorria, satisfeito. Até que, na trigésima manhã, esta manhã de terça, da qual jamais me esquecerei, peguei-me sob a ducha quente pensando numa conta atrasada e resmungando sobre a fila do banco. O banho virara apenas mais um acontecimento banal, feito escovar os dentes ou cortar as unhas, e entendi, alheio à pressão e à temperatura, que nenhuma felicidade sobrevive à repetição. Trinta e quatro anos desejando; 29 dias para perder a graça. Estranha é a matemática da vida.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Humm, me engana que eu gosto (Francisco Daudt)


Uma de nossas ilusões é o tamanho do livre arbítrio, ele inaugurou-se na mordida da maçã, à força

"Eu prefiro sonhar a ser triste", disse o portuga da novela para Griselda, seu amor impossível. É, eu vejo novela de vez em quando, já que é a principal fonte de reflexão sobre assuntos nunca pensados pela maioria dos brasileiros.
Raramente vi uma síntese tão bonita do "me engana que eu gosto" quanto esta.
Nossa espécie não gosta muito da verdade, apesar de ser capaz de concebê-la e assimilá-la, às vezes.
É só pensar quantos creem na continuação da vida após a morte, mesmo sabendo que nenhum Windows roda depois que o disco rígido queima, que não há software sem hardware para fazê-lo funcionar, que não há alma que sobreviva a um cérebro morto.
Você já tomou anestesia geral? Uma situação em que o cérebro fica inoperante? Então já experimentou o sentimento do "nada". Não há sensações, nem memórias, não há nada. Você já experimentou a morte.
Quem somos nós? Um programa "Eu" que roda entre as conexões de nossos neurônios e nos dá a ilusão de existirmos. Entre outras ilusões: a de controle (tal coisa não existe, nem para atravessar uma rua: espere o sinal, olhe para os dois lados e você estará aumentando suas chances de chegar vivo ao outro lado); de sermos quem manda em nossas vontades, sem levar em consideração a natureza (pense nas vezes que você transou sem camisinha).
Uma de nossas ilusões é o tamanho do livre arbítrio (ou, escolha nossa, livre de condicionamentos culturais ou genéticos). Meus professores jesuítas diziam que Adão exerceu o livre arbítrio ao comer o fruto da arvore do conhecimento e por isto foi expulso do paraíso. "Mas, padre, se o Criador lhe deu curiosidade, foi seu modelo ideal, pôs a seu alcance o instrumento de torná-lo semelhante a seu Pai, ainda com o poder de divergir da opinião Dele, o que restava a Adão, senão querer aquele fruto?" A ilusão do livre arbítrio inaugurou-se na mordida da maçã, à força.
Esta lenda é um marco histórico da eterna conversa entre a consciência e a autoilusão, que é o que nos permite ir, às vezes mais para um lado (Copérnico, a dizer que não era a Terra o centro do Universo), às vezes para o outro (as várias maneiras de negar a morte, iniciadas há mais de 100 mil anos, com os rituais fúnebres, o que estabelece o começo de nossa espécie: sabemos que vamos morrer, mas "continuaremos vivos").
Você tem visto as propagandas eleitorais na TV. Preciso dizer mais em relação ao "me engana que eu gosto"? Está bem, nos últimos anos mergulhamos num clima de cinismo sem comparação, ministros corruptos são demitidos com lágrimas e elogios, mas mesmo assim...
A saúde mental combina uma confortável associação de busca da verdade e desprezo por verdades muito incômodas. Portanto, a crença na vida eterna não é nenhuma doença, e vivermos sem pensar na morte, pois estamos vivos, é um equilíbrio. Mas a obsessão pela morte a ponto de se explodir em nome de uma causa, para chegar ao paraíso, certamente é uma doença.
Um ditado dá num bom acordo: "A morte é um momento, e não me roubará da vida nada mais do que ela é, seu momento".

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Tamanho é documento - Mônica Salmaso

" Há possibilidades de escolhas verdadeiras e boas colheitas quando a gente se pergunta, lá no fundo, qual é o tamanho ideal do que realmente a gente considera ser uma vida boa"


Não me sinto à vontade para escrever uma coluna; mas, por conta do meu interesse pelo tema, no qual penso muito (muitas vezes), vendo em mim e nos outros os parâmetros variados e os resultados, achei que poderia escrever sobre ele, mesmo de maneira não tão incrível quanto eu gostaria de ser capaz.

Uma vez, eu estava num conhecido ateliê de móveis de São Paulo. Por sorte, o proprietário estava presente: Carlos Motta, uma pessoa muito conversadora, simpática e, sobretudo, apaixonada pelo que faz. Eu estava no oitavo mês de gravidez e ostentava um enorme barrigão que, na mesma proporção em que
me trazia todas as belezas mágicas de ter um bebê “morando” ali, destruía a minha lombar! Fomos conversando, e eu escolhi uma cadeira que me parecia ideal para descansar. Durante a conversa, soube que exatamente aquela cadeira tinha sido anatomicamente desenhada para trazer conforto à mulher de Carlos, quando estava amamentando. Ele havia recebido um convite grande para fornecer um enorme número de cadeiras para uma importante rede europeia.

O convite era tudo o que, normalmente, se pensa sobre ideal de crescimento. Muitas vendas, mercado europeu em maior escala, considerável entrada de dinheiro na conta. O problema era que, para conseguir dar conta daquele pedido, seria necessário aumentar a infraestrutura do ateliê, contratar mais gente, sair da produção menor que permitia ao dono fazer o que gosta e passar mais horas com a família, viajar, ler um livro, manter a vida que ele havia construído e que tinha chegado ao seu “tamanho ideal”. A pergunta era: aumentar exatamente para quê, se assim está bom?! Ele não aceitou.

Muitas pessoas diriam que “crescer numericamente” é o ideal de todos, posto que sempre podemos COMPRAR mais, ser DONOS de mais coisas! Mas será este o único ideal de vida, de ambição e de felicidade para todo mundo, mesmo? Ou é parte do pacote de infelicidade eterno do que não somos ou não temos, em comparação com os ideais de beleza, sucesso e riqueza vendidos nas revistas, na televisão, no cinema comercial etc.

Noutra vez, eu tinha que pagar uma conta e só podia fazer isso numa agência do Banco do Brasil ou numa casa lotérica. Fui a uma perto de casa e vi o anúncio do prêmio estimado em R$ 150 milhões. Fiz uma aposta. Voltei para casa pensando em que minha vida mudaria se os meus números fossem sorteados… Não mudaríamos de casa (gostamos da nossa) e/ou de carro. A casa na roça já é muito mais do que precisamos para nos equilibrar e nos divertir. Viajaríamos mais? Um pouco mais, porque já viajamos bastante fazendo o que fazemos. Achei, finalmente, a ÚNICA coisa que mudaria na minha vida hoje, sem dúvida, definitiva e radicalmente: NUNCA MAIS faria viagens internacionais em classe econômica!

Obviamente, não ganhei o prêmio, mas tive a chance de verificar, naquela hora, que a vida que tenho hoje me faz feliz, e que há possibilidades de escolhas verdadeiras e “boas colheitas” quando a gente se pergunta, lá no fundo, qual é o “tamanho ideal” do que realmente a gente considera ser uma vida boa.

Simples, até meio bobo, mas tão pouco praticado…

*Mônica Salmaso é cantora e lança o CD “Alma lírica brasileira”no Teatro Rival,dias 9 e 10 de dezembro

sábado, 26 de novembro de 2011

Acaso - SÉRGIO TELLES

Tememos o acaso. Ele irrompe de forma inesperada e imprevisível em nossas vidas, expondo nossa impotência contra forças desconhecidas que anulam tudo aquilo que trabalhosamente penamos para organizar e construir. Seu caráter aleatório e gratuito rompe com as leis de causa e efeito com as quais procuramos lidar com a realidade, deixando-nos desarmados e atônitos frente a emergência de algo que está além de nossa compreensão, que evidencia uma desordem contra o qual não temos recursos. O acaso deixa à mostra a assustadora falta de sentido que jaz no fundo das coisas e que tentamos camuflar, revestindo-a com nossas certezas e objetivos, com nossa apreensão lógica do mundo.

Procuramos estratégias para lidar com essa dimensão da realidade que nos inquieta e desestabiliza. Alguns, sem negar sua existência, planejam suas vidas, torcendo para que ela não interfira de forma excessiva em seus projetos. Outros, mais infantis e supersticiosos, tentam esconjurá-la usando fórmulas mágicas. Os mais religiosos simplesmente não acreditam no acaso, pois creem que tudo o que acontece em suas vidas decorre diretamente da vontade de um deus. Aquilo que alguns considerariam como a manifestação do acaso, para eles são provações que esse deus lhes envia para testar-lhes a fé e obediência.

São defesas necessárias para continuarmos a viver. Se a ideia de que estamos à mercê de acontecimentos incontroláveis que podem transformar nossas vidas de modo radical e irreversível estivesse permanentemente presente em nossas mentes, o terror nos paralisaria e nada mais faríamos a não ser pensar na iminência das desgraças possíveis. E nem é necessário imaginar grandes catástrofes, embora elas possam sempre ocorrer. Basta lembrar que nossa própria morte, ou a de um ente querido, pode ocorrer a qualquer instante, sem que nada possamos fazer para impedi-lo.

Entretanto, tem um tipo de homem que age de forma diversa. Ao invés de tentar fugir do acaso, como faz a maioria de nós, ele o convoca constantemente. É o viciado em jogos de azar.

O jogador invoca e provoca o acaso, desafiando-o em suas apostas, numa tentativa de dominá-lo, de curvá-lo, de vencê-lo. E também de aprisioná-lo. É como se, paradoxalmente, o jogador temesse tanto a presença do acaso nos demais recantos da vida, que pretendesse prendê-lo, restringi-lo, confiná-lo à cena do jogo, acreditando que dessa forma o controla e anula seu poder.

É o grande equívoco do jogador, como bem adverte Mallarmé no início de seu famoso poema "um lance de dados não abolirá jamais o acaso". É certo que os lugares onde se praticam os jogos de azar, como os cassinos, são espaços privilegiados onde o acaso é convocado e se faz presente, exibindo todo seu fascínio. Mas é uma ilusão pensar que ele ali ficaria retido, abstendo-se de atuar em outros domínios da vida, como gostaria o jogador.

O jogador leva às ultimas consequências essa forma de lidar com o acaso. Mas, em grau menor, todos nós fazemos algo parecido, todos temos um secreto "jogo de dados". Criamos situações específicas, nas quais concentramos nossa angústia, nossas fobias. Pessoas que têm medo de avião ou de elevador, por exemplo, pretendem circunscrever essas ocasiões à incidência do acaso (o acidente, a morte) e passam a evitá-las, acreditando com isso controlar sua ameaçadora e fortuita emergência.

A psicanálise mostra que o embate do jogador com o acaso, com o destino, é um eco da batalha edipiana, na qual o filho desafia o pai todo-poderoso da infância, tentando vencê-lo (matá-lo), ao mesmo tempo em que se oferece à imolação, expondo-se de forma masoquista ao castigo por tal ousadia, mergulhando na aposta que o põe em risco absoluto.

Através da psicanálise ficou evidente que muitas vezes nos julgamos vítimas do acaso sem nos apercebermos que, movidos por complexos sentimentos ocultos, como a culpa, inadvertidamente nós mesmos fabricamos aquelas situações que nos afligem. O acaso e o inconsciente, é claro, são categorias diversas e não confundíveis, mas provocam na mente consciente e racional semelhante efeito de estranheza.

O acaso tem papel relevante no excelente filme Um Conto Chinês, do argentino Sebastián Borensztein. Num recanto da China, um inacreditável acontecimento (supostamente ocorrido na realidade, como é mostrado no fim do filme, com os créditos) destrói os planos do jovem Jun. Em função disso, ele se traslada para Buenos Aires, onde termina por encontrar Roberto, um metódico comerciante de bairro preso a experiências traumáticas e a lutos impossíveis de elaborar. Mas o acaso, na figura do chinês, desmonta suas rígidas defesas obsessivas, trazendo Roberto de volta à vida.

Um Conto Chinês mostra as duas faces do acaso - o azar que se abate sobre Jun e a sorte que salva Roberto, o infeliz veterano da Guerra das Malvinas.

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O canadense Xavier Dolan, nascido em 1989, é uma das maiores revelações do cinema mundial. Aos 16 anos escreveu o roteiro de Eu Matei Minha Mãe, filme que interpretou e dirigiu e que, ao ser apresentado no Festival de Cannes de 2009, foi aplaudido de pé por oito minutos, ganhando o prêmio da Quinzena dos Diretores. Amores Imaginários, seu novo filme em cartaz, é uma lição sobre o narcisismo enquanto exigência voraz de ser amado incondicionalmente sem nada dar em troca, com toda a crueldade e sadismo nisso implicados. Se em Eu Matei Minha Mãe, Dolan estava mais interessado em contar uma história (com muitos traços autobiográficos), em Amores Imaginários a preocupação formal é mais evidente e bem-sucedida.

sábado, 19 de novembro de 2011

A Mulher Madura (Affonso Romano de Sant'Anna )


O rosto da mulher madura entrou na moldura de meus olhos.


De repente, a surpreendo num banco olhando de soslaio, aguardando sua vez no balcão. Outras vezes ela passa por mim na rua entre os camelôs. Vezes outras a entrevejo no espelho de uma joalheria. A mulher madura, com seu rosto denso esculpido como o de uma atriz grega, tem qualquer coisa de Melina Mercouri ou de Anouke Aimé.

Há uma serenidade nos seus gestos, longe dos desperdícios da adolescência, quando se esbanjam pernas, braços e bocas ruidosamente. A adolescente não sabe ainda os limites de seu corpo e vai florescendo estabanada. É como um nadador principiante, faz muito barulho, joga muita água para os lados. Enfim, desborda.

A mulher madura nada no tempo e flui com a serenidade de um peixe. O silêncio em torno de seus gestos tem algo do repouso da garça sobre o lago. Seu olhar sobre os objetos não é de gula ou de concupiscência. Seus olhos não violam as coisas, mas as envolvem ternamente. Sabem a distância entre seu corpo e o mundo.

A mulher madura é assim: tem algo de orquídea que brota exclusiva de um tronco, inteira. Não é um canteiro de margaridas jovens tagarelando nas manhãs.

A adolescente, com o brilho de seus cabelos, com essa irradiação que vem dos dentes e dos olhos, nos extasia. Mas a mulher madura tem um som de adágio em suas formas. E até no gozo ela soa com a profundidade de um violoncelo e a sutileza de um oboé sobre a campina do leito.

A boca da mulher madura tem uma indizível sabedoria. Ela chorou na madrugada e abriu-se em opaco espanto. Ela conheceu a traição e ela mesma saiu sozinha para se deixar invadir pela dimensão de outros corpos. Por isto as suas mãos são líricas no drama e repõem no seu corpo um aprendizado da macia paina de setembro e abril.

O corpo da mulher madura é um corpo que já tem história. Inscrições se fizeram em sua superfície. Seu corpo não é como na adolescência uma pura e agreste possibilidade. Ela conhece seus mecanismos, apalpa suas mensagens, decodifica as ameaças numa intimidade respeitosa.

Sei que falo de uma certa mulher madura localizada numa classe social, e os mais politizados têm que ter condescendência e me entender. A maturidade também vem à mulher pobre, mas vem com tal violência que o verde se perverte e sobre os casebres e corpos tudo se reveste de uma marrom tristeza.

Na verdade, talvez a mulher madura não se saiba assim inteira ante seu olho interior. Talvez a sua aura se inscreva melhor no olho exterior, que a maturidade é também algo que o outro nos confere, complementarmente. Maturidade é essa coisa dupla: um jogo de espelhos revelador.

Cada idade tem seu esplendor. É um equívoco pensá-lo apenas como um relâmpago de juventude, um brilho de raquetes e pernas sobre as praias do tempo. Cada idade tem seu brilho e é preciso que cada um descubra o fulgor do próprio corpo.

A mulher madura está pronta para algo definitivo.

Merece, por exemplo, sentar-se naquela praça de Siena à tarde acompanhando com o complacente olhar o vôo das andorinhas e as crianças a brincar. A mulher madura tem esse ar de que, enfim, está pronta para ir à Grécia. Descolou-se da superfície das coisas. Merece profundidades. Por isto, pode-se dizer que a mulher madura não ostenta jóias. As jóias brotaram de seu tronco, incorporaram-se naturalmente ao seu rosto, como se fossem prendas do tempo.

A mulher madura é um ser luminoso é repousante às quatro horas da tarde, quando as sereias se banham e saem discretamente perfumadas com seus filhos pelos parques do dia. Pena que seu marido não note, perdido que está nos escritórios e mesquinhas ações nos múltiplos mercados dos gestos. Ele não sabe, mas deveria voltar para casa tão maduro quanto Yves Montand e Paul Newman, quando nos seus filmes.

Sobretudo, o primeiro namorado ou o primeiro marido não sabem o que perderam em não esperá-la madurar. Ali está uma mulher madura, mais que nunca pronta para quem a souber amar.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

UMA QUESTÃO DE ORDEM (Danuza Leão)


Eles invadiram nossa praia sem pedir licença, mas estão exagerando. Quando ouvi falar, pela primeira vez, que os homens estavam indo fazer pés e mãos, fiquei chocada. 
Mas, como virei moderna, hoje penso que todos têm a obrigação de cuidar de suas extremidades, sim, mas que sejam atendidos em casa, pois a postura de um homem fazendo as unhas não combina com a masculinidade. E desde que não usem esmalte incolor, como o caixa do banco: fui pagar conta e fiquei em tal estado de choque que quase chamei o segurança.
OK, tudo bem, os costumes mudam, mas não é possível se apaixonar por um homem que faz escova. Eles já usam aro no cabelo e brevemente vão estar de franja e fivelinha. Ah, não, não vejo um homão de verdade fazendo as sobrancelhas e se depilando.
Imaginar que um possa dizer, antes (ou depois) do amor, "Cuidado para não desmanchar meu cabelo" não dá. Metrossexual? Me engana que eu gosto.
Não acredito que esses "novos" homens façam o coração de uma mulher bater mais forte, e deve ser por isso que elas andam mais desencantadas. Onde estão aqueles que nos faziam perder o rumo de casa? Onde é que foram parar? Tão bom ouvir um "Com esse decote você não sai comigo". 
Do jeito que as coisas vão, um dia os papéis vão ser trocados, a mulher vai ter que por limite, dar um murro na mesa e dizer: "Tudo bem você usar meus cremes, mas meu batom, minhas calcinhas e meu sapato, isso não". 
É preciso botar ordem na casa: ou se é mulher, ou homem, ou gay. Era assim, pelo menos.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Ismália

ISMÁLIA (Alphonsus de Guimaraens)


Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

O QUE É UM LIVRO?




Talvez possa fazer um breve resumo da história dos livros. Até onde lembro, os gregos não faziam grande uso deles. A maioria dos grandes mestres da humanidade não foram escritores, mas oradores. Pensem em Pitágoras, Cristo, Sócrates, Buda e assim por diante.
Lembro que Bernard Shaw disse que Platão foi o dramaturgo que inventou Sócrates, tal como os quatro evangelistas inventaram Jesus.

Num dos diálogos de Platão, ele fala sobre os livros de modo um tanto depreciativo: "O que é um livro? Um livro, como uma pintura, parece um ser vivo; no entanto, se lhe perguntamos algo, não responde. Vemos então que está morto". Para fazer do livro um ser vivo, ele inventou o diálogo platônico, que se antecipa às dúvidas e perguntas do leitor.
----------------------------Jorge Luis Borges in Esse Ofício do Verso

Ilustração: óleo sobre tela do argentino Gabriel Caprav.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

LISTA DE COISAS QUE NÃO SABEMOS OU NÃO LEMBRAMOS...






 
Os Três Reis Magos:
 
. O árabe Baltazar: trazia incenso, significando a divindade do Menino Jesus.
 
. O indiano Belchior: trazia ouro, significando a sua realeza.
 
. O etíope Gaspar: trazia mirra, significando a sua humanidade.

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 As Sete Maravilhas do Mundo Antigo: 
 1 - As Muralhas e os Jardins Suspensos da Babilônia 
 2 - A Estátua de Zeus, de Fídias em Olímpia

3 - O Templo de Artemis (ou Diana) em Éfeso

 4 - O Colosso de Rodes

5 - O Mausoléu de Halicarnasso

 6 - O Farol de Alexandria
 7 - As Pirâmides de Gizé no Egito

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 As Sete Maravilhas do Mundo  Moderno
 
 
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 Maravilhas  derrotadas
 
 
 http://acertodecontas.blog.br/atualidades/paises-reagem-a-eleicao-das-7-novas-maravilhas/

 
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 As 7 Notas Musicais  

 A origem é uma homenagem a São João Batista, com seu hino : 
 Ut queant laxis () ...... Para que possam

 Re  sonare fibris  ....... ressoar as
 
Mi
  ra gestorum ..... maravilhas de teus feitos

Fa  mulli tuorum  ......... com largos cantos

Sol  ve polluit    .......    apaga os erros

La
bii  reatum    ........  dos lábios manchados

 S ancti Ioannis  ....... Ó São João

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 Os Sete Pecados Capitais

(Eles só foram enumerados no século VI, pelo papa São Gregório Magno
(540-604), tomando como referência as cartas de São Paulo) 

 . Gula
. Avareza
.  Soberba
. Luxúria
. Preguiça
. Ira
. Inveja 

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As Sete Virtudes 
 
 
 As Sete Virtudes (para combater os pecados capitais) 
 . Temperança (gula)
.  Generosidade (avareza)
. Humildade (soberba)
. Castidade (luxúria)
. Disciplina (preguiça)
. Paciência (ira)
. Caridade (inveja)  

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 Os Sete dias da Semana e os "Sete Planetas" 
 Os dias, nos demais idiomas - com exceção da língua portuguesa , mantém
os nomes dos sete corpos celestes conhecidos desde os babilônios:

. Domingo - dia do Sol
.  Segunda - dia da Lua.
. Terça - dia de Marte
. Quarta - dia de  Mercúrio
. Quinta - dia de Júpiter
. Sexta - dia de Vênus
.  Sábado - dia de Saturno

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 As Sete Cores do Arco-Íris:  
 Na mitologia grega, Íris era a mensageira da deusa Juno. 
 Descia do céu num facho de luz vestindo um xale de sete cores,
originando a palavra arco-íris.  
 A divindade deu origem também ao termo íris, do olho.

. Vermelho
. Laranja
.  Amarelo
. Verde
. Azul
. Anil
. Violeta 

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 Os Dez Mandamentos:  
 1º - Amar a Deus sobre todas as coisas
2º - Não tomar o Seu Santo Nome em vão
3º - Guardar os sábados
4º - Honrar pai e mãe
5º - Não matar
6º - Não pecar contra a castidade
7º - Não furtar
8º - Não levantar falso testemunho
9º - Não desejar a mulher do próximo
10º - Não cobiçar as coisas alheias 

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 Os Doze Meses do Ano:  
 - Janeiro: homenagem ao Deus Janus, protetor dos lares 
 - Fevereiro: mês do festival de Februália (purificação dos pecados),
em Roma; 
 - Março: em homenagem a Marte, deus guerreiro; 
 - Abril: derivado do latim  Aperire (o que abre). Possível referência à primavera no Hemisfério Norte;  
 - Maio: acredita-se que se origine de maia, deusa do crescimento
das plantas; 
 - Junho: mês que homenageia Juno, protetora das mulheres; 
 - Julho: No primeiro  calendário romano, de 10 meses, era chamado de quintilis (5º mês). Foi rebatizado por Júlio César; 
 - Agosto: Inicialmente nomeado de sextilis (6º mês), mudou em homenagem a César Augusto;
- Setembro: era o sétimo mês.  Vem do latim septem; 

 - Outubro: Na contagem dos romanos, era o oitavo mês; 
 - Novembro: Vem do latim novem (nove); 
 - Dezembro: era o décimo mês.  
 
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Os Doze Apóstolos:   1 - Simão chamado Pedro <http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/SaoPedro.html>
príncipe dos  apóstolos,
2 - Tiago o Maior, irmão de João
3 - João o apóstolo bem-amado
4 - Filipe o místico helenista
5 - Bartolomeu o viajante
6 - Mateus ou 
Levi <
http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/SaoMateu.html>publicano 
7 - Tiago o Menor
8 - Simão o Zelota ou o Cananeu
  9 – Judas Tadeu o primo de Jesus 
10 - Judas Iscariotes o traidor
11 - André 
o primeiro Pescador de Homens, irmão de Pedro 

12 - Tomé o ascético  


Após a traição de Iscariotes
<
http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/SaoMatia.html> 
Matias foi escolhido pelos demais para ocupar seu lugar no colégio apostólico. Mais rigorosamente seria 13º apóstolo.
Outro famoso apóstolo, Paulo de Tarso 
<
http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/SaoPaulo.htm
>,                  o  apóstolo dos gentios, não foi testemunha ocular de Jesus Cristo <http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/JesusNaz.html>mas convertido através de visões do   

Jesus ressuscitado, e tornou-se um dos mais fervorosos apóstolos do cristianismo.  

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 Os Doze Profetas do Antigo Testamento: 
 1 - Isaías
2 - Jeremias
3 - Jonas
4 - Naum
5 - Baruque
6 - Ezequiel
7 - Daniel
8 - Oséias
9 - Joel
10 - Abdias
11 - Habacuque
12 -  Amos 

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 Os Quatro Evangelistas e a Esfinge 
 . Lucas (representado pelo touro)
. Marcos (representado pelo leão)
. João (representado pela águia)
. Mateus (representado pelo anjo) 


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 Os Quatro Elementos e os Signos 
 . Terra (Touro - Virgem - Capricórnio)
. Água (Câncer - Escorpião - Peixes)
. Fogo (Carneiro - Leão - Sagitário)
. Ar (Gêmeos - Balança - Aquário) 

 A relação de influência dos signos nos quatro elementos do
mundo sublunar (na esfera):
vermelho= fogo
,  marrom= terra,  azul= água e verde= ar
 Esses quatro elementos  constituem todas as coisas vivas da Terra.

 Por esse motivo, somos influenciados pelos astros.

Barthélemy l'Anglais.  O Livro das Propriedades  das Coisas, século XV. InBNF, FR 135.

 
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 As Musas da Mitologia Grega  
 (a quem se atribuía a inspiração das ciências e das artes) 
 1 - Urânia ( astronomia )
2 - Tália ( comédia )
3 - Calíope ( eloqüência e epopéia )
4 - Polímnia ( retórica )
5 - Euterpe ( música e poesia lírica )
6 - Clio ( história )
7 - Érato ( poesia de amor )
8 - Terpsícore ( dança )
9 - Melpômene ( tragédia )  


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 Os Sete Sábios da Grécia  Antiga: 
 1 - Sólon
2 - Pítaco
3  - Quílon
4 - Tales de Mileto
5 - Cleóbulo
6 - Bias
7 -  Períandro
 
http://www.paralerepensar.com.br/lazerinformacao.htm

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Você Sabia ? 

 1 - Durante a Guerra de Secessão, quando as tropas voltavam para o quartel após uma batalha sem nenhuma baixa, escreviam numa placa imensa:
"O Killed" ( zero mortos )...  Daí surgiu a expressão " O.K. ", para indicar
que tudo estava bem.  
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 2 - Nos conventos, durante a  leitura das Escrituras Sagradas, ao se referir
a São José, diziam sempre " Pater Putativus ", ( ou seja: "Pai Suposto" ) abreviando em P.P. ... Assim  surgiu o hábito, nos países de colonização espanhola, de chamar os "José" de "Pepe".
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 3 - Cada rei no baralho representa um grande Rei/Imperador da história:
. Espadas: Rei David ( Israel )
. Paus: Alexandre Magno ( Grécia/Macedônia )
. Copas: Carlos Magno ( França )
. Ouros: Júlio César ( Roma )  

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 4 - No Novo Testamento, no  livro de São Mateus, está escrito "é mais
fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar
no Reino dos Céus "... O problema  é que São Jerônimo, o tradutor do texto, interpretou a palavra " kamelos "  como camelo, quando na verdade, em grego, "kamelos" são as cordas grossas com que se amarram os barcos.
A idéia da frase permanece a  mesma, mas qual parece mais coerente? 

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 5 - Quando os conquistadores ingleses chegaram a Austrália, se assustaram
ao ver uns estranhos animais que davam saltos incríveis.
Imediatamente chamaram um nativo (os aborígenes australianos eram extremamente pacíficos) e perguntaram qual o nome do bicho. O índio
sempre repetia " Kan Ghu Ru ", e portanto o adaptaram ao inglês,
"kangaroo" ( canguru ).
Depois, os lingüistas determinaram o significado, que era muito claro: os indígenas queriam dizer: "Não te entendo ". 

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 6 - A parte do México conhecida como Yucatán vem da época da conquista, quando um espanhol perguntou a um indígena como eles chamavam esse lugar, e o índio respondeu "Yucatán". Mas o espanhol não sabia que ele estava informando " Não sou  daqui ". 
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 7 - Existe uma rua no Rio de Janeiro, no bairro de São Cristóvão, chamada "PEDRO IVO".
Quando um grupo de estudantes foi tentar descobrir quem foi esse tal de
Pedro Ivo, descobriram que na verdade a rua homenageava D.Pedro I,
que quando foi rei de Portugal, foi aclamado como "Pedro IV" (quarto).
Pois bem, algum dos funcionários da Prefeitura, ao pensar que o nome
da rua fora grafado errado, colocou um " O " no final do nome.
O erro permanece até hoje.  

  

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Ainda Lula (Danuza Leão)




Pensar em coisas ruins faz com que se troque de pensamento, já que não há como mudar o que foi feito


DESDE QUE a doença de Lula foi conhecida, ficou tudo esquisito; o ex-presidente é uma figura pública, mais pública que um cantor de sucesso ou um ator de novela, e paira no ar um baixo astral parecido com aquele do tempo do Tancredo. Só que os boletins do Tancredo mentiam, e esses de agora dizem a verdade, a verdade nua e crua. Os petistas estão mal e os não petistas, como eu, também estamos.
Para um homem como Lula, ativo, falante, que não conseguia ficar quieto, não deve estar sendo fácil. Com a recomendação de falar o menos possível, Lula vai ter muito tempo para pensar, coisa que não parece fazer parte dos seus hábitos; e para ele, que era levado sobretudo pelo instinto, pensar muito pode ser perigoso.
Pensar nos leva sempre a fazer um balanço da vida, lembrar do que fizemos, dos erros e acertos, e não há quem não se arrependa de algumas das coisas que fez. Isso é bom ou ruim?
Quando se pensa nas boas coisas é bom, mas pensar nas menos boas faz com que se troque de pensamento, já que não há como mudar o que foi feito; aí se abre a geladeira, se pega um jornal, se telefona para um amigo, se deixa pra lá. Mas quando não se pode falar, e por um bom tempo -o que parece que vai acontecer com Lula-, é difícil. Ele não parece ter o hábito de ler, e só ver televisão, para um homem habituado a uma atividade intensa, é pouco.
Steve Jobs não teve tempo de inventar uma maquininha que transformasse os pensamentos em sons -e sob um certo aspecto, ainda bem. Se os efeitos da químio permitirem, seria o caso de Lula tomar umas aulas de digitação, e com alguma ajuda, que certamente não faltaria, escrever o livro de sua vida. Sua história é conhecida, mas ninguém conhece a história inteira de ninguém, e essa poderia ser uma maneira de ter um interesse, enquanto recupera a saúde. Não posso deixar de pensar, com tristeza, na vida desse homem nos próximos três, quatro meses, sem poder fazer o que mais gosta e melhor sabe fazer, que é falar.
Foi falando que ele chegou onde chegou, foi falando que convenceu metade do país a votar em Dilma, foi falando que foi chamado de "o cara". Será que religião nessa hora ajuda? Será Lula religioso? Não parece.
A doença colocou o ex-presidente de novo no centro dos holofotes, e por seu desejo pessoal, boletins médicos falarão, várias vezes por dia, sobre a evolução da doença. Isso é aplaudido por alguns, mas no que me diz respeito, vou procurar saber como vai sua saúde só uma vez por dia. Em não sendo uma pessoa próxima, não quero ficar viciada -como fiquei na época de Tancredo-, o dia inteiro diante da TV, para saber se o tumor tem dois ou três centímetros, se Lula está sendo tratado por químio ou radio, se fará cirurgia, ou o que.
Vou continuar ligada, vou continuar desejando que Lula saia dessa, vou torcer pelo Corinthians até que ele fique bom, pois isso vai lhe dar alegrias, mas vou também pensar em outras coisas. A vida continua, como dizem. Mas se fosse comigo -e espero que isso não me aconteça-, preferiria não ter a minha saúde contada em detalhes, pela televisão, e sendo assunto de conversas, mesmo que fossem todas a meu favor.
Apenas uma maneira de ser.

domingo, 6 de novembro de 2011

Rui Barbosa

Diz a lenda que Rui Barbosa, ao chegar em casa, ouviu um
barulho estranho vindo do quintal. Indo até lá, constatou ha-
ver um ladrão tentando levar seus patos de estimação. Apro-
ximou-se vagarosamente do indivíduo e, surpreendendo-o ao
tentar pular o muro com suas amadas aves, disse-lhe:

− Ó bucéfalo anácroto! Não o interpelo pelo valor intrínseco dos
emplumados bípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de pro-
fanares o recôndito de minha residência, levando meus ovíparos
à socapa e à sorrelfa. Se fazes isso por necessidade, transijo;
mas se é para zombares da minha elevada prosopopeia de cida-
dão digno e altaneiro, dar-te-ei com minha bengala fosfórica bem
no alto de tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei
à quinquagésima potência do que o vulgo denomina a partícula in-
significante do átomo!!!

E o ladrão, sem pestanejar, respondeu ao mestre baiano:
− Doutor, não entendi: eu deixo ou levo os patos?

sábado, 5 de novembro de 2011

O dono da voz - Maria Cristina Fernandes

Com uma voz mais rouca e fraca que a habitual, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva surgiu de preto no quarto do hospital Sírio-Libanês em vídeo divulgado na terça-feira pelo instituto que leva seu nome (www.icidadania.org). Ao lado da mulher, agradeceu, durante dois minutos, as mensagens de solidariedade que vem recebendo.

Desde que foi anunciado, no sábado, que o ex-presidente tem um tumor maligno na laringe a reação popular adquiriu vários matizes. A grande maioria, e não é preciso uma pesquisa de opinião para constatá-lo, solidarizou-se com Lula. Uma parcela pequena, mas ruidosa, de brasileiros exorcizou a pequenez de sua própria índole e a incivilidade de suas convicções com regojizo estridente.

É à luz da solidariedade de milhões com o maior líder popular da história brasileira que sua fala merece ser revisitada. Difícil imaginar que Lula pudesse vir a se despir da política mesmo num momento de fragilidade física e emocional. Se o apego à política lhe aumenta o apetite pela vida, é de se esperar até que seus médicos acolham o efeito terapêutico de uma relação estreitada entre o líder e o povo que governou.

"Temos que lutar; foi para isso que vim à terra"

O vídeo, no entanto, extrapolou o agradecimento. Mostrou que está em curso, capitaneada pelo próprio enfermo, a sacralização do mito. Lula se disse portador de uma missão na terra: "Nenhum ser humano pode se deixar vencer por uma dor ou por um câncer. Temos que lutar. Foi para isso que vim à terra. Para lutar e para melhorar a vida de todo mundo".

A autoridade moral de quem enfrenta um tratamento de câncer decorre com naturalidade. Em Lula, a biografia lhe autoriza em acréscimo dizer que não será a primeira nem a última batalha de sua vida, muitas das quais travadas nos corredores de hospitais públicos.

O ex-presidente incorporou de tal maneira a autoridade moral da enfermidade que, no vídeo, era o telespectador que parecia estar sob tratamento. Olhando sério para a câmera, disse: "Preste atenção numa coisa, sem perseverança, sem muita persistência e sem muita garra a gente não consegue nada".

Lula foi além. Naquele momento, depois de suas primeiras 24 horas de quimioterapia, levantou-se para pedir que os brasileiros apoiem e ajudem a presidente Dilma Rousseff: "É inexorável que o Brasil se transforme num grande país".

Estava ali para agradecer e foi da gratidão como moeda política que tratou. Em seu primeiro pronunciamento depois da notícia do câncer, o líder enfermo e redentor pede apoio à sucessora que elegeu. Se alguma dúvida havia sobre o compromisso entre criador e criatura, a doença o torna cada vez mais indissolúvel.

Ao final da gravação, Lula dirige-se aos petistas: "Tô doido para falar uns companheiros e companheiras mais fortes. Até a primeira assembleia, até o primeiro comício, até o primeiro ato público".

Antes de ter o tumor diagnosticado, Lula vinha operando ativamente na montagem dos palanques municipais governistas. Como se sabe agora, poucas horas antes de gravar a mensagem havia incumbido Dilma de negociar a desistência da pré-candidatura da senadora Marta Suplicy à Prefeitura de São Paulo.

A postulação de Marta vinha sendo desidratada há muito tempo. Com base em pesquisas que demonstravam um teto para a prefeita no eleitorado paulistano, seus ex-secretários municipais já tinham abandonado seu barco e os petistas que permaneciam ao seu lado pareciam estar ali com a missão de barganhar espaço na campanha do ministro da Educação, Fernando Haddad.

Não estava, portanto, descartada a possibilidade de desistência, a despeito do tumor de Lula. Mas a doença revestiu o pedido, feito 48 horas depois do diagnóstico do presidente, de outros significados. O primeiro é de que não há como o partido se recusar a atender ao seu líder enfermo. O outro é revelado pela escolha da mensageira.

Lula não incumbiu um dirigente do PT, nem José Dirceu, eterno herói da militância petista, para negociar com Marta, mas a própria presidente da República.

Além da possibilidade de a senadora petista poder vir a ser incorporada no primeiro escalão do governo, a missão de Dilma revela, para quem, no PT, ainda não havia percebido, que a presidente é, de fato e de direito, sua sucessora. É um recado claro e direto para os petistas de São Paulo, generais de brigada da luta interna.

No meio médico de São Paulo há pouca discordância sobre as chances de cura do ex-presidente, ainda que grassem divergências sobre eventuais impactos sobre sua voz decorrentes da decisão de se adiar a cirurgia com o recurso à quimio e à radioterapia.

É com essas indefinições que Lula joga ao se reposicionar, dentro e fora do PT, em função da doença.

A decisão de tornar público o câncer marca notável diferença em relação aos subterfúgios do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, ao lidar com o seu e usá-lo para se perpetuar no poder.

Lula já deu demonstrações suficientes de apego à democracia para ser comparado com Chávez. Já transferiu a faixa, mas ainda é o dono da voz. Ninguém se comunica melhor que ele. Mas o risco, ainda que remoto, de que esse poder de comunicação venha a ser afetado, não autoriza a mistificação.

Não dá para esperar que Lula deixe de fazer política enquanto durar seu tratamento. O ex-presidente teria tudo para sair da doença como o cabo eleitoral de uma grande campanha nacional pela melhoria da saúde pública brasileira. Seria a melhor resposta à vilania do "Lula no SUS", além de retribuição à altura da solidariedade popular.

Enquanto presidente, Lula não investiu na saúde pública como deveria, como tampouco o fizeram todos os que o antecederam e que também continuam a se tratar nos melhores hospitais do país. A oportunidade que se abre para sua liderança é que, curado pelo Sírio-Libanês, Lula ponha sua voz a serviço do SUS.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

O homem terminal (Carlos Heitor Cony)




De certa forma, somos todos terminais desde que nascemos, uns mais, outros menos

NA Semana passada, vi a reprise de um filme sobre o Dr. Morte. Devo de início elogiar a atuação de Al Pacino no papel principal, uma das melhores que já vi no cinema de todos os tempos.
Confesso que não me interessei pelo caso na devida ocasião, não acompanhei suas proezas nem seus julgamentos e só assisti ao filme na TV por falta de opções. Nem sequer guardei o nome do personagem, nome complicado, parece que de origem armênia. Nem mesmo guardei o nome do filme.
Mas fiquei impressionado com algumas cenas, sobretudo aquela em que, numa de suas prisões, ele gritava que a sociedade estava na Idade Média e invocava, entre outros, o nome de Galileu.
O Dr. Morte tinha uma posição contrária à eutanásia, considerando-a um homicídio. O doente terminal não era ou não podia ser consultado, a decisão era tomada pela família ou pelos médicos que afastavam os equipamentos ou deixavam de aplicá-los, interrompendo a assistência médica considerada inútil e cara.
No caso do Dr. Morte tratava-se na realidade de um suicídio assistido, o doente terminal, esgotados todos os recursos da medicina e não suportando as dores, autorizava a aplicação de uma injeção letal.
Ele tinha uma fórmula e um processo para abreviar o sofrimento insuportável do paciente.
Em alguns países, creio que na Suíça (posso estar enganado), o suicídio assistido não é considerado um crime. Evidente que é um assunto polêmico, condenado pela totalidade dos médicos cuja missão é salvar vidas, e não apressar a morte consentida ou mesmo implorada pelos doentes terminais.
E a sociedade, em seu atual estágio, também recusa a prática -daí as várias condenações que o Dr. Morte sofreu, sendo que na última, a muitos anos de cadeia, ele veio a morrer sem cumprir a pena integralmente.
Como disse, é um tema mais do que polêmico. Um doente terminal, esgotados todos os recursos da ciência, mas lúcido o bastante para decidir sobre si mesmo, teria o direito de pedir a morte uma vez que está sem condições de suicidar-se, atirando-se da janela ou fazendo uso de uma arma?
O assunto é macabro, mas recorrente. De certa forma, somos todos terminais desde que nascemos, uns mais, outros menos. De minha parte, habituei-me a me considerar um sobrevivente, mais tarde um homem em estágio terminal. 
Bem verdade que nunca pensei em suicídio, assistido ou não, mas costumo responder aos que me perguntam como estou revelando que "não passo desta noite" -uma frase que repito para mim mesmo todos os dias, o que me dá direito a aproveitar da melhor forma o dia seguinte- e faço isso há uns 20 anos e espero continuar fazendo enquanto puder.
Sei que a expectativa de vida vem aumentando, mas volta e meia, como no caso dos terremotos, desabamentos, desastres de carro ou avião, balas perdidas e homicídios em geral, de nada valem as perspectivas modernas que nos garantem uma vida mais longa.
De qualquer forma, a medicina e a tecnologia conjugadas não apenas aumentam as condições de vida como se esforçam para dar dignidade ao ato de morrer.
Sendo por natureza e definição um mortal, embora algumas pessoas me considerem imortal porque pertenço a uma academia cujo lema é "ad immortalitatem", tenho sérios motivos para me considerar um homem que termina todos os dias e instantes.
Quem acorda por mim no dia seguinte é um outro, apesar de herdar meus problemas, meus compromissos com a Receita Federal, amigos e desafetos, a batelada de exames e remédios e as chateações em geral que fazem parte da condição humana.
Pedindo perdão pelo assunto e pelo tom sinistro desta crônica, sabendo de antemão que receberei e-mails indignados de protesto e rejeição, busco a autoridade que não tenho em dois exemplos, um religioso, outro profano.
O primeiro é um conselho de Cristo anotado pelo evangelista Mateus: "Sufficit diei malitia sua" ("A cada dia bastam as suas atribulações"). O outro exemplo é o de Horácio, meu poeta preferido: "Aproveita o dia de hoje e nada espere do dia seguinte". Em latim, para dar mais solenidade: "Carpe diem quam minimum credula postero".