segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Reinventar a vida - Frei Beto


Finda o ano, inicia-se o novo. No íntimo, o propósito: daqui pra frente, tudo vai ser diferente. Começar de novo. Será? Haveremos de escapar do vaticínio do verso de Fernando Pessoa, “fui o que não sou”? Atribui-se a Gandhi esta lista dos sete pecados sociais: 1) Prazeres sem escrúpulos; 2) Riqueza sem trabalho; 3) Comércio sem moral; 4) Conhecimento sem sabedoria; 5) Ciência sem humanismo; 6) Política sem idealismo; 7) Religião sem amor.

E agora, José? No mundo em que vivemos, quanta esbórnia, corrupção, nepotismo, ciência e tecnologia para fins bélicos, práticas religiosas fundamentalistas, arrogantes e extorsivas! Os ícones atuais, que pautam o comportamento coletivo, quase nada têm do altruísmo dos mestres espirituais, dos revolucionários sociais, do humanismo de cientistas como os dois Albert – o Einstein e o Schweitzer. Hoje, predominam as celebridades do cinema e da TV, as cantoras exóticas, os desportistas biliardários, a sugerir que a felicidade resulta de fama, riqueza e beleza.

Impossibilitada de sair de si, de quebrar seu egocentrismo (por falta de paradigmas), uma parcela da juventude se afunda nas drogas, na busca virtual de um esplendor que a realidade não lhe oferece. São crianças e jovens deseducados para a solidariedade, a compaixão, o respeito aos mais pobres. Uma geração desprovida de utopia e sonhos libertários. A australiana Bronnie Ware trabalhou com doentes terminais. A partir do que viu e ouviu, elencou os cinco principais arrependimentos de pessoas moribundas:

1) Gostaria de ter tido a coragem de viver uma vida verdadeira para mim, e não a que os outros esperavam de mim. No entardecer da vida, podemos olhar para trás e verificar quantos sonhos não se transformaram em realidade! Porque não tivemos coragem de romper amarras, quebrar algemas, nos impor disciplina, abraçar o que nos faz feliz, e não o que melhora a nossa foto aos olhos alheios. Trocamos a felicidade da pessoa pelo prestígio da função. E muitos se dão conta de que, na vida, tomaram a estrada errada quando ela finda. Já não há mais tempo para abraçar alternativas.

2) Gostaria de não ter trabalhado tanto. Eis o arrependimento de não ter dedicado mais tempo à família, aos filhos, aos amigos. Tempo para lazer, meditar, praticar esportes. A vida, tão breve, foi consumida no afã de ganhar dinheiro, e não de imprimir a ela melhor qualidade. E nesse mundo de equipamentos que nos deixam conectados dia e noite somos permanentemente sugados; fazemos reuniões pelo celular até quando dirigimos carro; lidamos com o computador como se ele fosse um ímã eletrônico do qual é impossível se afastar.

3) Gostaria de ter tido a oportunidade de expressar meus sentimentos. Quantas vezes falamos mal da vida alheia e calamos elogios! Adiamos para amanhã, depois de amanhã. O momento de manifestar o nosso carinho àquela pessoa, reunir os amigos para celebrar a amizade, pedir perdão a quem ofendemos e reparar injustiças. Adoecemos macerados por ressentimentos, amarguras, desejo de vingança. E para ficar bem com os outros, deixamos de expressar o que realmente sentimos e pensamos. Aos poucos, o cupim do desencanto nos corrói por dentro.

4) Gostaria de ter tido mais contato com meus amigos. Amizades são raras. No entanto, nem sempre sabemos cultivá-las. Preferimos a companhia de quem nos dá prestígio ou facilita o nosso alpinismo social. Desdenhamos os verdadeiros amigos, muitos de condição inferior à nossa. Em fase terminal, quando mais se precisa de afeto, a quem chamar? Quem nos visita no hospital, além dos que se ligam a nós por laços de sangue e, muitas vezes, o fazem por obrigação, não por afeição? Na cultura neoliberal, moribundos são descartáveis e a morte é fracasso. E não se busca a companhia de fracassado.

5) Gostaria de ter tido a coragem de me dar o direito de ser feliz. Ser feliz é uma questão de escolha. Mas, vamos adiando nossas escolhas, como se fossemos viver 300 ou 500 anos. Ou esperamos que alguém ou uma determinada ocupação ou promoção nos faça feliz. Como se a nossa felicidade estivesse sempre no futuro, e não aqui e agora, ao nosso alcance, desde que ousemos virar a página de nossa existência e abraçarmos algo muito simples: fazer

sábado, 29 de dezembro de 2012

O fim e o começo (Martha Medeiros)



Como era de se esperar, não teve fim de mundo. Mas 2012 não foi um ano qualquer. Muitas pessoas à minha volta sentiram algo parecido com o que senti: que este foi um ano de intensidade única, com uma energia capaz de encerrar etapas. Um ano de despedidas, algumas concretas, outras mais sutis. Houve quem tenha terminado casos mal resolvidos, quem tenha se conscientizado de um problema que não queria ver, quem se deu conta da fragilidade de uma situação, quem tenha aceitado um desafio que exigiu coragem, quem tenha enfrentado uma situação transformadora, quem tenha se jogado num estilo de vida diferente. Olho para os lados e vejo que 2012 não passou em branco para quase ninguém. Pelo menos não para mim, nem para pessoas próximas.

Meu microcosmo não revela o universo inteiro, lógico. Você talvez não tenha percebido nada de incomum no ano que passou, mas ainda assim seria interessante promover um fim categórico, encerrar o ano colocando uma pedra em algo que não lhe convém mais. Geralmente chegamos ao final de dezembro focados apenas no recomeço, na renovação, nos planos, sem nos darmos conta de que, para que nossas resoluções sejam cumpridas mais adiante, não basta pular sete ondas, comer lentilhas e outras mandingas. É preciso que haja, sim, o fim do mundo. O fim de um mundo seu, particular.

Qual o mundo que você precisa exterminar da sua vida?

Sugestão: o mundo do bullying cibernético. Ninguém é autêntico por esculhambar o trabalho dos outros, sendo agressivo e mal-educado só porque tem a seu favor o anonimato na internet. Perder horas na frente do computador demonstra sua total incapacidade de convívio. Bum! Fim desse mundo estreito.

O mundo da prepotência, aquele que faz você pensar que todos lhe estenderão um tapete vermelho sem você precisar dar nada em troca. Qualquer um pode ser profético quanto a seu futuro: passará o resto da vida achando que ninguém lhe dá o devido valor, isolado em sua torre de marfim.

O mundo obcecado do amor doentio, aquele amor que só persiste pelo medo da solidão, e que de frustração em frustração vai minando sua possibilidade de ser feliz de outro modo.

O mundo das coisas sem importância. Quanta dedicação ao sobrenome do fulano, à conta bancária do sicrano, à vida amorosa da beltrana, o quanto ela pagou, o quanto ele deveu, quem reatou. Por cinco minutos, vá lá. Os neurônios precisam descansar. Mas esse trelelé o dia inteiro, socorro.

O mundo do imobilismo. Do aguardar sem se mover. Da espera passiva pelo momento certo que nunca chega.

2012 prenunciou um cataclismo, só que não era global, e sim individual. Impôs que cada um desse um fim à vida como era antes e que promovesse uma mudança interna, profunda e renovadora. Feito?

Então que venha um 2013 do outro mundo para todos nós.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Amigo de si mesmo (Martha Medeiros)



Em seu recém-lançado livro Quem Pensas Tu que Eu Sou?, o psicanalista Abrão Slavutsky reflete sobre a necessidade de conquistar o reconhecimento alheio para que possamos desenvolver nossa autoestima. Mas como sermos percebidos generosamente pelo olhar dos outros? Os ensaios que compõem o livro percorrem vários caminhos para encontrar essa resposta, em capítulos com títulos instigantes como Se o Cigarro de García Márquez Falasse, Somos Todos Estranhos ou A Crueldade é Humana. Mas já no prólogo o autor oferece a primeira pílula de sabedoria. Ele reproduz uma questão levantada e respondida pelo filósofo Sêneca: “Perguntas-me qual foi meu maior progresso? Comecei a ser amigo de mim mesmo”.

Como sempre, nosso bem-estar emocional é alcançado com soluções simples, mas poucos levam isso em conta, já que a simplicidade nunca teve muito cartaz entre os que apreciam uma omplicaçãozinha. Acreditando que a vida é mais rica no conflito, acabam dispensando esse pó de pirilimpimpim.

Para ser amigo de si mesmo é preciso estar atento a algumas condições do espírito. A primeira aliada da camaradagem é a humildade. Jamais seremos amigos de nós mesmos se continuarmos a interpretar o papel de Hércules ou de qualquer super-herói invencível. Encare-se no espelho e pergunte: quem eu penso que sou? E chore, porque você é fraco, erra, se engana, explode, faz bobagem. E aí enxugue as lágrimas e perdoe-se, que é o que bons amigos fazem: perdoam.

Ser amigo de si mesmo passa também pelo bom humor. Como ainda há quem não entenda que sem humor não existe chance de sobrevivência? Já martelei muito nesse assunto, então vou usar as palavras de Abrão Slavutsky: “Para atingir a verdade, é preciso superar a seriedade da certeza”. É uma frase genial. O bem-humorado respeita as certezas, mas as transcende. Só assim o sujeito passa a se divertir com o imponderável da vida e a tolerar suas dificuldades.

Amigar-se consigo também passa pelo que muitos chamam de egoísmo, mas será? Se você faz algo de bom para si próprio estará automaticamente fazendo mal para os outros? Ora. Faça o bem para si e acredite: ninguém vai se chatear com isso. Negue-se a participar de coisas em que não acredita ou que simplesmente o aborrecem. Presenteie-se com boa música, bons livros e boas conversas. Não troque sua paz por encenação. Não faça nada que o desagrade só para agradar aos outros. Mas seja gentil e educado, isso reforça laços, está incluído no projeto “ser amigo de si mesmo”.

Por fim, pare de pensar. É o melhor conselho que um amigo pode dar a outro: pare de fazer fantasias, sentir-se perseguido, neurotizar relações, comprar briga por besteira, maximizar pequenas chatices, estender discussões, buscar no passado as justificativas para ser do jeito que é, fazendo a linha “sou rebelde porque o mundo quis assim”. Sem essa. O mundo nem estava prestando atenção em você, acorde. Salve-se dos seus traumas de infância.

Quem não consegue sozinho, deve acudir-se com um terapeuta. Só não pode esquecer: sem amizade por si próprio, nunca haverá progresso possível, como bem escreveu Sêneca cerca de 2.000 anos atrás. Permanecerá enredado em suas próprias angústias e sendo nada menos que seu pior inimigo.



terça-feira, 4 de dezembro de 2012

FERRIERA GULLAR - A herança maldita



A coisa mudou: quem for pego com a boca na botija será defenestrado sem choro nem vela
Não pertenço a nenhum partido político nem tenho compromisso com nenhum deles, quer apoiem ou se oponham ao governo. Por isso, quando opino acerca de fatos políticos e critico ações de decisões governamentais, faço-o na condição de cidadão que, há muitos anos, observa e reflete sobre a vida política nacional.
Nessas condições, seria quase impossível calar-me diante do que tem ocorrido no Brasil nestes últimos anos, como é o caso do mensalão, que se tornou um episódio dominante no cenário nacional. Tanto mais depois do julgamento do Supremo Tribunal Federal, que não deixou dúvidas quanto ao comprometimento dos processados nele envolvidos.
Esse julgamento, como nenhum outro, foi feito às claras, transmitido na íntegra pela televisão, sem nada esconder. Resultado: José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e quase todos os demais foram condenados a penas cuja dosimetria os ministros discutiram acaloradamente. Não obstante, o PT e os sentenciados, sem qualquer pudor, passaram a afirmar que foram injustiçados por um julgamento político, e não jurídico. E decidiram promover uma campanha nacional para denunciar essa injustiça.
Isso certamente não ocorrerá, mesmo porque, no dia seguinte àquela manifestação do PT, um novo escândalo tomou conta do noticiário: a Polícia Federal acusou Rosemary Nóvoa de Noronha, chefe do escritório da Presidência da República em São Paulo, indiciada por corrupção ativa.
Rosemary foi nomeada para esse cargo pelo então presidente Lula e o acompanhava nas viagens que fazia. Bastante estranho, não? Antes, nos anos 1990, assessorava José Dirceu, que a apresentou a Lula.
No início do governo deste, em 2003, foi nomeada assessora especial do gabinete pessoal da Presidência da República, antes de ser alçada à direção do escritório presidencial em São Paulo.
A pedido de Lula, Dilma a manteve no cargo, e é nesse escritório que Lula e Dilma se encontram para acertar os ponteiros quando a situação política o exige.
Pois bem, naquela sexta-feira, a Polícia Federal prendeu seis pessoas e indiciou outras 12, acusadas de participar de um esquema que fraudava pareceres técnicos em agências reguladoras e órgãos federais. Entre os presos, estão os irmãos Paulo Rodrigues Vieira, diretor da Agência Nacional de Águas (ANA), Rubens Carlos Vieira, diretor de Infraestrutura Aeroportuária da Agência Nacional de Aviação (Anac) e Marcelo Rodrigues Vieira. Os irmãos Vieira foram indicados para aqueles cargos por Rosemary, que mantinha com eles estreita ligação no esquema de fraudes descoberto pela PF.
Além de Rosemary, foram indiciados 11 servidores, entre os quais o advogado-geral da União adjunto, José Weber Holanda, o segundo na Advocacia Geral da União (AGU), órgão diretamente ligado à Presidência da República.
Em face de tamanho escândalo, envolvendo ocupantes de importantes cargos de confiança do governo federal, a presidente Dilma Rousseff convocou uma reunião de emergência com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e as ministras Gleisi Hoffmann e Ideli Salvatti, para avaliar a situação. Disso resultou a exoneração imediata de Rosemary e o afastamento dos irmãos Vieira de seus cargos. Dada a estreita ligação de Lula com Rosemary, foi a ele comunicada a sua exoneração, antes que se efetuasse.
Desta vez, Dilma agiu mais rápido do que quando demitiu os ministros corruptos que Lula lhe deixara como herança maldita. Naquela ocasião, ela chegou a defender alguns dos acusados e só os demitiu quando a situação se tornou insustentável. Agora, porém, em face do desgaste sofrido com o julgamento do mensalão e a condenação de dirigentes petistas, a coisa mudou: quem for pego com a boca na botija será defenestrado, de imediato, sem choro nem vela.
A verdade é que mais uma vez Dilma foi surpreendida por "malfeitos" envolvendo pessoas de sua equipe vinculadas ao ex-presidente Lula, que teria se queixado ao saber do novo escândalo: "Fui apunhalado pelas costas", expressão semelhante à que pronunciou por ocasião da descoberta do mensalão, em 2005. Por isso, não se surpreendam se, amanhã, ele vier a afirmar que tudo isso não passou de uma farsa, inventada pela imprensa.

    quarta-feira, 28 de novembro de 2012

    As melhores sensações da vida - Fabrício Carpinejar



    Não podemos esquecer nossa motivação, o que nos faz acordar todo dia. Busquei reunir as melhores sensações da vida:

    - Tomar o primeiro chimarrão da manhã, aquele sozinho, olhando enviesado pela janela.
    - Experimentar o feijão na panela.
    - Raspar o brigadeiro com colher.
    - Passar a primeira noite acordado com o filho no colo olhando os farois dos carros iluminando as paredes da sala.
    - Gozar exatamente no mesmo tempo que ela.
    - Andar de mãos dadas de dia e andar de pés dados de noite com sua mulher.
    - Sentir o geladinho dos lençóis novos.
    - Jogar futebol na chuva, e fazer questão de dar um carrinho na poça.
    - Beijar a boca de sua esposa e ficar respirando a respiração dela.
    - Comemorar gol de seu time no último minuto de virada num Gre-Nal.
    - Pisar na fofura da praia.
    - Tirar os sapatos depois de dançar a noite inteira.
    - Abrir o vidro do carro e nebulizar o rosto subindo a serra.
    - Ouvir um disco que você gostava e que fazia muito tempo que não colocava para tocar.
    - Barbear o rosto e sair com a face ardendo no vento.
    - Atravessar a madrugada cantando músicas bregas com os amigos.
    - Assistir dois filmes emendados no cinema e deixar a sala só de noite.
    - Descobrir um aumento inesperado no salário.
    - Deitar numa banheira de hidromassagem, e ficar até cair a pressão.
    - Arrumar o armário depois de receber roupas novas.
    - Dormir os cinco minutinhos de tolerância do alarme.
    - Pegar um edredon, deitar com a patroa e comer pipoca acompanhando filmes antigos.
    - Encontrar o cachorro nos esperando sentado diante da porta.
    - Escutar do filho que ele aprendeu aquela lição contigo e que isso ajudou na prova.
    - Querer muito alguma coisa e esquecer, para ganhar de presente.

    quinta-feira, 22 de novembro de 2012

    A melhor versão de nós mesmos (Martha Medeiros)


    Alguns relacionamentos são produtivos e felizes. Outros são limitantes e inférteis. Infelizmente, há de ambos os tipos, e de outros que nem cabe aqui exemplificar. O cardápio é farto. Mas o que será que identifica um amor como saudável e outro como doentio? Em tese, todos os amores deveriam ser benéficos, simplesmente por serem amores. Mas não são. E uma pista para descobrir em qual situação a gente se encontra é se perguntar que espécie de mulher e que espécie de homem a sua relação desperta em você. Qual a versão que prevalece?

    A pessoa mais bacana do mundo também tem um lado perverso. E a pessoa mais arrogante pode ter dentro de si um meigo. Escolhemos uma versão oficial para consumo externo, mas os nossos eus secretos também existem e só estão esperando uma provocação para se apresentarem publicamente. A questão é perceber se a pessoa com quem você convive ajuda você a revelar o seu melhor ou o seu pior.

    Você convive com uma mulher tão ciumenta que manipula para encarcerar você em casa, longe do contato com amigos e familiares, transformando você num bicho do mato? Ou você descobriu através da sua esposa que as pessoas não mordem e que uma boa rede de relacionamentos alavanca a vida?

    Você convive com um homem que a tira do sério e faz você virar a barraqueira que nunca foi? Ou convive com alguém de bem com a vida, fazendo com que você relaxe e seja a melhor parceira para programas divertidos?

    Seu marido é tão indecente nas transações financeiras que força você a ser conivente com falcatruas?

    Sua esposa é tão grosseira com os outros que você acaba pagando micos pelo simples fato de estar ao lado dela?

    Seu noivo é tão calado e misterioso que transforma você numa desconfiada neurótica, do tipo que não para de xeretar o celular e fazer perguntas indiscretas?

    Sua namorada é tão exibida e espalhafatosa que faz você agir como um censor, logo você que sempre foi partidário do “cada um vive como quer”?

    Que reações imprevistas seu amor desperta em você? Se somos pessoas do bem, queremos estar com alguém que não desvirtue isso, ao contrário, que possibilite que nossas qualidades fiquem ainda mais evidentes. Um amor deve servir de trampolim para nossos saltos ornamentais, não para provocar escorregões e vexames.

    O amor danoso é aquele que, mesmo sendo verdadeiro, transforma você em alguém desprezível a seus próprios olhos. Se a relação em que você se encontra não faz você gostar de si mesmo, desperta sua mesquinhez, rabugice, desconfiança e demais perfis vexatórios, alguma coisa está errada. O amor que nos serve e que nos faz evoluir é aquele que traz à tona a nossa melhor versão.

    terça-feira, 20 de novembro de 2012

    SEGUNDAS INTENÇÕES DA MULHER - Fabrício Carpinejar


    Mulher sempre tem uma segunda intenção ao escolher um presente para o homem. O laço é uma algema secreta. Ela não compra por comprar, é uma consumidora experiente, conhece o shopping como ninguém, escolada no provador de roupa. Não iria oferecer um presente à toa. Não dá ponto sem nó. Todo mimo carrega um significado simbólico, especial, definitivo.
     
    Pode reparar: homem é capaz de dispensar a embalagem, a mulher jamais. O embrulho indica o envolvimento emocional, assim como o cartão autentica as flores.
     
    Seu consumismo não é fútil, mas espirituoso. Gasta a favor de uma mensagem oculta, de um sentido para a relação a dois.
     
    Disposto a ampliar os serviços do Procon, criei o Código Masculino de Defesa do Consumidor:
     
    1 ) Quando a mulher compra CD ou livro para você, ela tem vontade de ser sua amiga. Ainda não traduz nenhum movimento de posse.
     
    2) Quando a mulher compra um perfume para você, o negócio é sério, mostra que está amando. Pretende aniquilar lembranças da ex e acabar com qualquer cheiro do passado.
     
    3) Quando a mulher compra cueca para você, denuncia uma louca ansiedade pelo casamento. Procura superar sua mãe e trocar a dependência materna pela sexual.
     
    4) Quando a mulher compra caneca ou uniforme esportivo para você, já o enxerga como pai dos seus filhos, indício forte de que deseja engravidar.
     
    5) Quando a mulher compra um porta-retrato para você, é um jeito de avisá-lo de que não vem colocando as fotos dela em seu Facebook.
     
    6) Quando a mulher compra uma poltrona para você, é uma dominação psicológica, busca substituir o divã de seu terapeuta (é algo como “pare de falar mal de mim para ele”).
     
    7) Quando a mulher compra uma almofada para você, tenta frear sua obesidade mórbida. Hora de abandonar os rodízios de churrasco, galeto e pizza e emagrecer um pouquinho só para não morrer.
     
    8) Quando a mulher compra um relógio para você, insinua que necessita de mais tempo ao seu lado. Portanto, largue o futebol com amigos e deixe de voltar tarde.
     
    9) Quando a mulher compra joias para você, não é uma mulher, garanto, trata-se de um travesti.
     
    10) Quando a mulher compra pijama de bolso para você, tem interesse de amansá-lo, castrá-lo, anular futuras amantes.
     
    11) Quando a mulher compra uma toalha para você, chegou ao fim da história. Mulher apenas é direta na separação. Não tem nenhuma ambiguidade, ela jogou a toalha mesmo.

    segunda-feira, 12 de novembro de 2012

    Dinheiro que grita - Martha Medeiros


    Todo mundo quer ter dinheiro e não há nada de errado com isso, desde que seja conquistado por mérito próprio, sem roubar de ninguém – tampouco do município, do estado e da nação. Dinheiro limpo é bem-vindo: proporciona viagens, prazeres, conforto, cultura, saúde. Saúde não apenas física, mas mental, e não estou falando do fato de poder pagar um analista se for preciso, mas da tranquilidade de não ter dívidas. Uma pessoa sem dívidas dorme melhor, pensa melhor, respira melhor.

    Além de limpo e honesto, dinheiro bom é dinheiro silencioso. Que não se exibe, não se pavoneia, não aponta para si próprio dizendo: olhem eu aqui! Conheço milionários que têm com o dinheiro uma relação discreta. Claro que moram bem, viajam, possuem um bom carro, mas não ostentam, não botam seu dinheiro no sol para brilhar e ofuscar os outros. O dinheiro tem que ser elegante como o seu dono. Ninguém precisa lidar com o dinheiro como se fosse um bicheiro.

    Mas é como muitos lidam. Mesmo não abrindo a camisa para mostrar suas correntes douradas nem transitando em limusines, ainda assim há quem não se importe que seu dinheiro grite – aliás, até faz questão de ter um dinheiro bem marqueteiro. São mulheres que retiram todas as joias do cofre para exibi-las numa festa, usam bolsas com monogramas gigantes, instalam chafarizes enormes nas piscinas e compram os dias de folga dos empregados porque não toleram a ideia de ir até a cozinha buscar seu próprio copo d’água num domingo.

    São homens que andam em carros que valem uma cobertura, pets que vestem Prada, vinhos que são escolhidos pelo preço e namoradas idem, já que, segundo eles, amor verdadeiro é coisa de pobre. O rico que esnoba pessoas humildes tem um dinheiro que grita. O rico que trata a todos com respeito e gentileza tem um dinheiro silencioso. O rico que só gasta com grifes, tem um dinheiro que grita. O rico que investe também no que é popular (e valoriza uma pechincha, por que não?) tem um dinheiro silencioso.

    O rico que perdeu o prazer de apreciar as coisas gratuitas da vida, tem um dinheiro que grita. O rico que não perdeu a conexão com aquilo que lhe dava prazer quando não era tão rico, tem um dinheiro silencioso.

    Quem dificulta o acesso a si mesmo através de um sem número de assessores, guarda-costas, secretários, agentes e demais bloqueadores humanos, tem um dinheiro que grita. Quem segue disponível para o afeto , tem um dinheiro silencioso.

    Costuma-se diferenciar um do outro dizendo que um é o novo rico, e o outro, o rico de berço. Pode ser. Quem nunca teve, se deslumbra. Reconheço que é muito bom viver bem e poder pagar as próprias contas, tenham elas quantos dígitos tiverem. Mas dinheiro deveria ser educado da mesma forma que um filho: nunca permita que ele seja insolente e ruidoso.

    terça-feira, 6 de novembro de 2012

    DANUZA LEÃO Sanatório geral (licença, Chico)



    O PT se prepara para promover uma grande campanha a favor dos pobres condenados
    Sempre ouvi falar que decisão da Justiça não se discute, se acata. Mas não é o que acha o Partido dos Trabalhadores.
    Há os que dizem que um passado limpo tem que ser levado em conta na hora da aplicação das penas. Dentro dessa teoria, Marcos Valério não poderia ter sido condenado a 40 anos de prisão, quando o norueguês que matou 77 pessoas foi condenado a 21 anos. E, se o pai de Isabela Nardoni e sua madrasta foram condenados, respectivamente, a 31 e 27 anos de prisão, como então condenar, por crimes que nem foram de sangue, pessoas de "alto valor social", se os crimes destes indivíduos foram apenas de colarinho branco?
    Os exemplos se multiplicam, e o PT se prepara para uma grande campanha a favor dos pobres condenados, valorosos combatentes contra a ditadura que lutaram pela volta da democracia. Nesse tempo eles conviveram com o autoritarismo e, pelo visto, aprenderam e gostaram. Eles lutaram pela democracia? Lutaram, sim. Assaltaram os cofres públicos para poderem se perpetuar no poder? Assaltaram, sim. Quem diz isso não sou eu, são os ministros do Supremo Tribunal Federal. E, entre acreditar no que dizem os réus, seus advogados e o PT ou em ministros do quilate de Celso de Mello, Ayres Britto, Marco Aurélio Mello, Luiz Fux, Joaquim Barbosa, fico com os últimos.
    Assisti a todas as sessões do mensalão; no início, com alguma dificuldade para entender o que diziam e, depois, já mais familiarizada com o "juridiquês". Lembrei da CPI, dos depoimentos, fiquei sem entender quem enviou o dinheiro para pagar a Duda Mendonça -Mas não é crime enviar dinheiro para o exterior? E quem mandou, afinal?- e confiei no julgamento dos ministros. Afinal, se não se confia no que dizem os ministros da Suprema Corte -tirando uma ou duas exceções-, confiar em quem?
    Ainda vamos ter muito tempo para os acórdãos, os memoriais, o recesso do Judiciário, o Natal, o Carnaval e a Semana Santa, tempo é que não vai faltar. E leio estupefata, naFolha, que José Genoino, condenado por corrupção e formação de quadrilha, tem o apoio do PT para assumir uma vaga na Câmara dos Deputados, já que é suplente de um deputado que foi eleito para a prefeitura de São José dos Campos. O PT apoia, e, segundo o presidente do partido, Genoino vai assumir "sem problema algum". Alguém deve estar louco neste país.
    Os deputados já condenados continuam deputados, e os ministros do Supremo ainda vão decidir se eles vão perder os mandatos. Mas, na opinião do presidente da Câmara, Marcos Maia -do PT, é claro-, a cassação deve passar pelo plenário. E se a maioria dos deputados for contra a cassação, como é que fica?
    Uma curiosidade: que tipo de solidariedade o ex-presidente Lula vai prestar a seus antigos amigos, companheiros que o ajudaram a fundar o partido, que partilharam com ele do poder e que agora estão na pior? Um churrasco seria o mínimo, pela antiga amizade.
    E a pergunta que não quer calar: quem é, afinal, Dilma Rousseff? De quem se trata? Às vezes ela faz um agrado à opinião pública e demite alguns ministros, ministros cujas roubalheiras são chamadas de "malfeitos" e foram denunciadas pela imprensa, pois ela não sabia de nada, claro; seus apagões são chamados de "apaguinhos"; quando Lula chama, ela vai correndo a São Paulo receber suas ordens, tipo nomear Marta Suplicy para um ministério, para em troca ela fazer campanha para o Haddad. E já se murmura que lá pelo final do ano, quando as coisas tiverem esfriado, pode haver uma anistia geral aos criminosos, basta Lula querer.
    Mas que país.

    domingo, 28 de outubro de 2012

    Sustento feminino (Martha Medeiros)



    Estive participando de um seminário sobre comportamento, onde foi dito que as mulheres estão de tal forma cansadas de suas múltiplas tarefas e do esforço para manter a independência que começam a ratear: andam sonhando de novo com um provedor, um homem que as sustente financeiramente. Não acreditei. Outro dia discuti com uma amiga porque duvidei quando ela disse estar percebendo a mesma coisa, que as mulheres estão selecionando seus parceiros pelo poder aquisitivo – não só as maduras e pragmáticas, mas também as adolescentes, que ainda deveriam cultivar algum romantismo.

    Então é verdade? Pois me parece um retrocesso. A independência nos torna disponíveis para viver a vida da forma que quisermos, sem precisar “negociar” nossa felicidade com ninguém. São poucos os casos em que se pode ser independente sem ter a própria fonte de renda (que não precisa obrigatoriamente ser igual ou superior a do marido). Não é nenhum pecado o homem pagar uma viagem, dar presentes, segurar as pontas em despesas maiores, caso ele ganhe mais – é distribuição de renda. Mas se é ela que ganha mais, a madame também pode assumir o posto de provedora sênior, até que as coisas se equalizem. Parceria é uma relação bilateral. É importante que ambos sejam autossuficientes para que não haja distorções sobre o que significa “amor” com aspas e amor sem aspas.

    As mulheres precisam muito dos homens, mas por razões mais profundas. Estamos realmente com sobrecarga de funções – pressão autoimposta, diga-se –, o que faz com que percamos nossa conexão com a feminilidade: para ser mulher não basta usar saia e pintar as unhas, essa é a parte fácil. A questão é ancestral: temos, sim, necessidade de um olhar protetor e amoroso, de um parceiro que nos deseje por nossa delicadeza, nossa sensualidade, nosso mistério. O homem nos confirma como mulher, e nós a eles. Essa é a verdadeira troca, que está difícil de acontecer porque viramos generais da banda sem direito a vacilações, e eles, assustados com essa senhora que fala grosso, acabam por se infantilizar ainda mais.

    Podemos ser independentes e ternas, independentes e carinhosas, independentes e fêmeas – não há contradição. Estamos mais solitárias porque queremos ter a última palavra em tudo, ser nota 10 em tudo, a superpoderosa que não delega, não ouve ninguém e que está ficando biruta sem perceber.

    Garotas, não desistam da sua independência. Façam o que estiver ao seu alcance, seja através do trabalho ou do estudo, em busca de realização e amor próprio. Escolher parceiros pelo saldo bancário é triste e antigo, os tempos são outros. É plausível que se procure alguém com o mesmo nível intelectual e social, com um projeto de vida parecido e com potencial de crescimento – mas para crescerem juntos, não para garantir um tutor.

    A solidão, como contingência da vida, não é trágica, podemos dar conta de nós mesmas. Mas, ainda que eu pareça obsoleta, ainda acredito que se sentir amada é que nos sustenta de fato.

    sexta-feira, 26 de outubro de 2012

    A necessidade de desejar - Martha Medeiros

    Todos sentem necessidade de amar, e esta necessidade geralmente é satisfeita quando encontramos o objeto de nosso amor e com ele mantemos uma relação frequente e feliz.
    Pois bem. 
    Enquanto vamos juntinhos à feira escolher frutas e verduras, enquanto mandamos consertar a infiltração do banheiro e enquanto vemos televisão sentados lado a lado no sofá, o que fazemos com nossa necessidade de desejar?

    Lendo Alain de Botton, um escritor inglês, deparei-me com essa questão: amor e desejo podem ser conciliáveis no início de uma relação, mas despedem-se ao longo do convívio.
    Só por um milagre você vai ouvir seu coração batendo acelerado ao ver seu marido chegando do trabalho, depois de vê-lo fazendo a mesma coisa há cinco, dez, quinze anos.

    Ao ouvir a voz dela no telefone, você também não sentirá nenhum friozinho na barriga, ainda mais se o que ela tem para dizer é "não chegue tarde hoje que vamos jantar na mamãe".
    Você ama o seu namorado, você ama a sua mulher. Mais que isso: você os tem. Mas a gente só deseja aquilo que não tem. O problema da infidelidade passa por aqui.

    Muitos acreditam que a pessoa que foi infiel não ama mais seu parceiro: não é verdade.
    Ama e tem atração física, inclusive, mas não consegue mais desejá-lo, porque já o tem.
    Fica então aquele vácuo, aquela lacuna, aquela maldita vontade de novamente desejar alguém e ser desejado, o que só é possível entre pessoas que ainda não se conquistaram.

    Não é preciso arranjar um amante para resolver o problema. Há recursos outros: flertes virtuais, fantasias eróticas, paqueras inconseqüentes. Tem muita gente aí fora a fim de entrar nesse jogo sem se envolver, sem colocar em risco o amor conquistado, porque sabe que a troca não compensa.

    Amor é jóia rara, o resto é diversão. Mas uma diversão que precisa ter seu espaço, até para salvar o amor do cansaço. Necessidade de amar x necessidade de desejar. Os conservadores temem reconhecer as diferenças entre uma e outra. Os galinhas agarram-se a essa justificativa. E os moderados tratam de administrar essa arapuca.

    O Plano "B" - Wilson Jacob Filho



         Ao perceber que não poderia manifestar, pessoalmente, os meus votos na comemoração do 21º aniversário de um jovem amigo, resolvi escrever-lhe uma mensagem que fosse além dos votos de felicidade eterna e/ou de pleno sucesso, obviamente só existentes nos domínios da fantasia.
         O que recomendar, porém, a quem acaba de atingir a plenitude do seu desenvolvimento físico e que mal começa a perceber os limites da sua capacidade psíquica e cognitiva?
         Tentando facilitar, reportei-me ao passado, buscando entender o que eu gostaria de ter compreendido na mesma idade e que poderia ter-me sido útil dali em diante. Nada encontrei diretamente ligado a um tema específico, nem senti falta de qualquer previsão importante que, na época, me teria sido útil para a tomada de decisões.
         Primeira conclusão: andar a gente aprende andando.
         Mesmo assim, insisti relembrando os projetos, ou melhor, os sonhos daquela idade. Percebi que alguns se realizaram exatamente como eu imaginara, enquanto outros chegaram perto, um pouco além ou aquém do desejado. A maioria, porém, permaneceu no fértil universo do imaginário embora, por outro lado, um grande número das realizações atuais não fez parte das expectativas de outrora. Curiosamente, porém, desta aparente dissonância entre o sonho e a realidade, só restou um sentimento de desagrado quando não houve uma solução alternativa.
         Segunda conclusão: sonhar é fundamental; realizar é opcional.
         Pronto, descobri finalmente o que gostaria de dizer a quem tem muitos anseios atuais e uma longa expectativa de vida para edificá-los. Não há porque limitá-los, nesta fase, por serem aparentemente irrealizáveis. Muito mais importante é encontrar mais que um caminho para atingir cada um dos objetivos. Assim sendo, haverá menor risco de nos tornarmos reféns de uma condição isolada. O “Plano B” passa a ser uma boa alternativa quando o “A” se mostra definitivamente inviável.
         Tenho aprendido muito sobre este assunto nos freqüentes contatos com aqueles que já viveram mais do que eu e cujas experiências demonstram que o conjunto da obra depende muito mais da capacidade de encontrar o melhor caminho durante a viagem, do que o de tê-lo idealizado nos seus mínimos detalhes antes de iniciá-la.
         Assim entendendo, fica mais simples diferençar a determinação necessária para que o objetivo possa ser alcançado da teimosia que muitas vezes impede a escolha de um plano alternativo. Para isto o tempo é um grande aliado. Sempre teremos a possibilidade de aprender a preparar vias alternativas para chegar onde queremos desde que tenhamos a flexibilidade necessária para reconhecer um obstáculo intransponível.
         Terceira conclusão: o determinado chega onde planejou, escolhendo o melhor caminho. O teimoso fica no caminho previamente escolhido tentando fazer com que ele o leve ao seu objetivo.
    Escrevi, finalmente, a curta mensagem. Além de lhe desejar uma vida longa e repleta de desafios, recomendei que fosse generoso consigo mesmo, dando-se o maior número possível de opções para a realização dos seus sonhos. Para tal, não há motivo para pressa. A arte de escolher acertadamente é tarefa para o longo prazo. Todos os idosos que conheço que confessam estar satisfeitos com a vida continuam criando os seus “Planos B”.
         Talvez seja esta uma das principais estratégias para fazer da longevidade um caminho igualmente interessante a despeito de quanto cada um já o tenha percorrido.

    Publicado no Jornal Folha de São Paulo em 13/09/2007.

    quarta-feira, 24 de outubro de 2012

    LUIZ FELIPE PONDÉ - O que é uma vida decente?




    O que é melhor, um pai ou marido corrupto ou pobre? Honestidade, conforto ou bem-estar?


    Quando se fala de corrupção, todo mundo mente. Quase todo mundo prefere um pai ou marido corrupto a um honesto, mas pobre. Para resistir à corrupção, você tem que ser radical, ou religioso, ou moral ou político.
    Parafraseando Hanna Arendt em seu "Eichmann em Jerusalém", quando ela disse que os nazistas estavam preocupados com a aposentadoria e chamou isso de banalidade do mal, eu diria que existe uma "banalidade da corrupção" inscrita na perversão do que seria uma vida decente.
    Não quero "desculpar" a corrupção, quero trazer à tona uma causa ancestral de corrupção da qual não se fala no silêncio do cotidiano.
    O julgamento do mensalão não significou nada para o eleitor, mesmo para aquele que se julga "crítico". Ninguém dá bola para a corrupção do seu partido do "coração". Também foi importante para ver o modo de operação da corrupção ideologicamente justificada inventada pelo PT: só faltava dizer que foi a direita de Marte que inventou tudo.
    Já se falou muito que quando classes sociais mais baixas ascendem socialmente e tentam imitar os hábitos da aristocracia ficam ridículas. Isso é descrito como "novo rico". Mas o "novo corrupto" é tão ridículo quanto. Que "saudade" dos corruptos clássicos do coronelismo nordestino, que negavam, mas não apelavam para uma inocência ideologicamente justificada, ou simplesmente não se davam ao trabalho de negar. Os mensaleiros continuam a agir como um clero de puros de coração.
    Mas não é disso que quero falar. Quero falar do fato de que, para além do debate político -que acho chatinho e quase sempre um circo-, a corrupção se alimenta de algo muito mais profundo.
    Damos pouca atenção a esse fato porque a substância da moral pública é a hipocrisia, por isso é melhor brincar de dizer que a causa é só política, quando na realidade é mais banal do que isso.
    Quase ninguém quer ter um pai ou marido pobre, e sim prefere um pai ou marido corrupto, mas que dê boas condições de vida. Esta é a verdade que não se fala.
    Imagine que você é uma jovem mulher que vai casar com um jovem rapaz. Antes que me acusem de "sexista" (mais um termo usado para quebrar a espinha dorsal do debate público, semelhante a acusar alguém de pedófilo), o que vou descrever pode acontecer também com um homem, mas é mais comum ser mulher, porque elas ainda são mais financeiramente dependentes e continuam execrando homem sem sucesso profissional, apesar das mentiras das feministas.
    Agora imagine que seu marido será um policial honesto até o fim da vida. A chance de ele acabar pobre é enorme. O mesmo pode acontecer, ainda que num grau mais alto em termos financeiros, com qualquer um que venha ocupar um cargo nos variados escalões do governo.
    Agora imagine que, no começo, ele seja honesto e com ereção e vigor, e você também seja uma jovem mulher cheia de vida e expectativas. Agora imagine que se passaram 20 anos... 30 anos... O que importa? A honestidade dele ou ele pensar "no bem-estar da família"? Espere, não responda em voz alta, guarde para si a resposta, senão você mentirá na certa.
    Por "pensar no bem-estar da família", quero dizer: roupa, comida boa, escola dos filhos, melhor casa para morar, ajudar os sogros doentes e idosos, viajar para Miami e Paris, apartamento na praia, iPhone, no mínimo para as crianças, carro novo, uma bolsa de marca, ainda que "em conta", sair com amigos para jantar, levar as crianças para comer pizza no domingo, poder mostrar para os cunhados que você está melhor de vida (isso às vezes vale mais do que tudo na escala da miséria moral de todos nós), viajar de avião, comprar coisas nos EUA, ter TV de 200 polegadas, iPads, enfim, "ter uma vida".
    Em situações de risco, em guerras, a covardia é a regra -ao contrário dos mentirosos que até hoje se dizem filhos de "la résistance française".
    No dia a dia, isso tem outro nome: honestidade não vale nada, o que vale é ter uma "vida decente": segurança para os filhos, uma esposa feliz porque pode comprar o que quiser (dentro do orçamento, claro, mas quanto menor o orçamento menor o amor...), enfim, um "futuro melhor".

    terça-feira, 23 de outubro de 2012

    FERREIRA GULLAR Piada de salão



    O tiro saiu pela culatra, e o partido da ética na política consagrou-se como um exemplo de corrupção

    Quando o escândalo do mensalão abalou a vida política do país e, particularmente, o governo Lula e seu partido, alguns dos petistas mais ingênuos choraram em plena Câmara dos Deputados, desapontados com o que era, para eles, uma traição. Lula, assustado, declarou que havia sido traído, mas logo acertou, com seus comparsas, um modo de safar-se do desastre.
    Escolheram o pobre do Delúbio Soares para assumir sozinho a culpa da falcatrua. Para convencê-lo, creio eu, asseguraram-lhe que nada lhe aconteceria, porque o Supremo estava nas mãos deles. Delúbio acreditou nisso a tal ponto que chegou a dizer, na ocasião, que o mensalão em breve se tornaria piada de salão.
    Certo disso, assumiu a responsabilidade por toda a tramoia, que envolveu muitos milhões de reais na compra de deputados dos partidos que constituíam a base parlamentar do governo.
    Embora fosse ele apenas um tesoureiro, afirmou que sozinho articulara os empréstimos fajutos, numa operação que envolvia do Banco do Brasil (Visanet), o Banco Rural e o Banco de Minas Gerais, e sem nada dizer a ninguém: não disse a Lula, com que privava nos churrascos dominicais, não disse a Genoino, presidente do PT, nem a José Dirceu, o ministro político do governo.
    Era ele, como se vê, um tesoureiro e tanto, como jamais houve igual. Claro, tudo mentira, mas estava convencido da impunidade. A esta altura, condenado pelo STF, deve maldizer a esperteza de seus comparsas. Mas os comparsas, por sua vez, devem amaldiçoar o único que, pelo menos até agora, escapou ileso do desastre -o Lula.
    Pois bem, como o tiro saiu pela culatra e o partido da ética na política consagrou-se como um exemplo de corrupção, Lula e sua turma já começaram a inventar uma versão que, se não os limpará de todo, pelo menos vai lhes permitir continuar mentindo com arrogância. O truque é velho, mas é o único que resta em situações semelhantes: posar de vítima.
    E se o cara se faz de vítima, tem o direito de se indignar, já que foi injustiçado. Por isso mesmo, vimos José Genoino vir a público denunciar a punição que sofreu, muito embora tenha sido condenado por nove dos dez ministros do STF, quase por unanimidade.
    A única hipótese seria, neste caso, que se trata de um complô dos ministros contra os petistas. Mas mesmo essa não se sustenta, uma vez que dos dez membros do Supremo, oito foram nomeados por Lula e Dilma.
    Reação como a de Genoino era de se esperar, mesmo porque, alguns dias antes, a direção do PT publicara aquele lamentável manifesto em que afirmava ser o processo do mensalão um golpe semelhante aos que derrubaram Getúlio Vargas e João Goulart. Também a nota posterior à condenação de José Dirceu repete a mesma versão, segundo a qual os mensaleiros estão sendo condenados porque lutam por um Brasil mais justo. O STF, como se sabe, é contra isso.
    Não por acaso, Lula -que reside num apartamento duplex de cobertura e veste ternos Armani- voltou a usar o mesmo vocabulário dos velhos tempos: "A burguesia não pode voltar ao poder". Sim, não pode, porque agora quem nos governa é a classe operária, aquela que já chegou ao paraíso.
    Não tenho nenhum prazer em assistir a esse espetáculo degradante, quando políticos de prestígio popular, que durante algum tempo encarnaram a defesa da democracia e da justiça social em nosso país, são condenados por graves atentados à ética e aos interesses da nação. As condenações ocorreram porque não havia como o STF furtar-se às evidências: dinheiro público foi entregue ao PT, mediante empréstimos fictícios, que tornaram possível a compra de deputados para votarem com o governo. Tudo conforme a ética petista, antiburguesa.
    Mas não tenhamos ilusões. Apesar de todo esse escândalo, apesar das condenações pela mais alta corte de Justiça, o PT cresceu nas últimas eleições. Tem agora mais prefeituras do que antes e talvez ganhe a de São Paulo. Nisso certamente influiu sua capacidade de mascarar a verdade, mas não só. Com a mesma falta de escrúpulos, tendo o poder nas mãos, manipula igualmente as carências dos mais necessitados e dos ressentidos.
    Não vai ser fácil acharmos o rumo certo.

    HÉLIO SCHWARTSMAN - O fim da virgindade


     Acaba hoje o prazo para fazer um lance pela virgindade da estudante brasileira Ingrid Migliorini. Já lhe ofereceram US$ 255 mil pelo direito à primeira noite.

    Penso que a jovem está certíssima. Vai levantar um bom dinheiro para entregar uma simples abstração, que a maioria das meninas dá de graça a seus namorados. Se há algo chocante na história é o valor que nós, como espécie, atribuímos à virgindade.

    A obsessão se materializa em todos os níveis, do mais sagrado ao mais profano. Segundo Paul Bloom em "How Pleasure Works", o termo aparece nada menos do que 700 vezes no Antigo Testamento e ocupa lugar ainda mais central no cristianismo, com o suposto nascimento virginal de Jesus. Mesmo no mundo materialista do capitalismo, mulheres gastam pequenas fortunas em cirurgias de reconstituição do hímen.
    Tamanho interesse tem raízes evolutivas. Desde que a fêmea humana deixou de anunciar ostensivamente seu período fértil, como o faz a maioria dos primatas, ficou muito mais difícil para o macho ter certeza de que o filho que ele criaria era mesmo seu. E investir recursos no desenvolvimento de genes alheios é, em termos biológicos, um desastre. Um modo de aumentar as chances de o rebento ser legítimo era copular preferencialmente com virgens.

    Se o raciocínio valia no Pleistoceno, não faz mais nenhum sentido no mundo moderno, em que a mulher pode controlar sua fertilidade e existem exames de DNA à disposição dos homens mais desconfiados. Hoje, o conceito de virgindade oscila entre uma relíquia mental da pré-história e, nas sociedades mais conservadoras, uma forma de tiranizar a mulher.

    Antes, porém, de maldizer o processo que levou a fêmea humana a esconder até de si mesma a ovulação, gerando milênios de opressão, é bom lembrar que a ocultação do estro resultou também no sexo recreacional e na formação de relações duradouras entre homem e mulher.

    segunda-feira, 22 de outubro de 2012

    Os potinhos fora do prédio (Fabrício Carpinejar)


    Na saída do meu prédio, sempre piso em pratinhos de água e restos de comida, destinados por algum vizinho a um cachorro de rua.
    Molho a bainha da calça, espirro polenta na roupa, mas o incômodo físico é o de menos.
    Pressinto uma falsidade involuntária na assistência.
    Quando criança, era natural oferecer, totalmente escondido, leite para ninhada de gatos, até os pais admitirem sua entrada em nossa vida.
    O cenário diante do meu condomínio é outro: adultos repassam comida sigilosamente sem nenhum motivo. Escondem de quem? De si?
    Por que o tráfico de ternura?
    Toda manhã, a refeição é renovada e o coitado do bicho comparece para matar a fome e a sede. Só que ninguém mata sua orfandade.
    O que sugere ser uma boa ação, na minha crença, é crueldade.
    É trazer o cãozinho para perto e não permitir-lhe entrar. É oferecer a isca e abandoná-lo. É fingir que preserva sua saúde durante alguns minutos para largá-lo à sorte no restante do dia.
    É criar uma série de mendigos de quatro patas aguardando a esmola da entrada.
    Cada morador que entra no conjunto residencial recebe uma mirada funda, triste, implacável.
    O olhar canino tem carências de chapéu – e o coração se contrai como niqueleira vazia.
    O animal não se vê recompensado e satisfeito, mas viciado e perdido. Suga as nossas sobrancelhas. Abana o rabo por qualquer contração do rosto, na expectativa de uma família adotiva.
    Está sendo torturado: não sabe como agir para ser aceito, não sabe se deve ficar imponente de vigília ou desaparecer discretamente e retornar no sol seguinte.
    Ele se frustra perante a porção. Não tem um afago demorado, sinal de permanência, um assobio confiante para libertá-lo.
    Quem alimenta no portão está se enganando e enganando o bichinho.
    Não tem coragem de colocá-lo em sua sala, em sua cozinha e integrá-lo definitivamente a um teto.
    Faz de conta que ama e se preocupa, porém recusa o trabalho inteiro de recuperação e treinamento.
    É um cumprimento de mão frouxa. Mantém próximo, jamais protegido.
    Não existe generosidade parcelada, é uma prestação única e à vista.
    Desse jeito, é ajudar para receber o título de bondoso, nunca porque deseja realmente ajudar.
    Oferecer sobras é assistencialismo, é populismo, é paliativo.
    A responsabilidade é a única caridade por inteiro. O resto é adiamento.
    Se quer cuidar do bicho, leve para casa. Dê um lar. Assuma o compromisso do convívio.
    É abrir a primeira porta, a porta do meio e a porta de dentro. As três portas que separam a aparência do caráter.

    sexta-feira, 12 de outubro de 2012

    CARLOS HEITOR CONY Não sabiam de nada



    Tal como os réus do mensalão, os chefes ouvidos em Nuremberg não sabiam de nada

    Leigo -e bota leigo nisso- em matéria de política e direito, volto a comentar, a meu modo e circunstância, o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal. Sem condições para analisar o mérito de um dos casos mais complicados do nosso tempo, vou limitar-me a algumas considerações praticamente marginais ao processo em si.
    Desde o início, quando um então deputado denunciou a compra de votos no Congresso, a total ignorância era o argumento principal dos suspeitos, a começar por um ex-presidente da República e a terminar na raia miúda de funcionários do terceiro escalão ou de escalão nenhum.
    Os suspeitos, que além de suspeitos eram também interessados no sepultamento da questão, limitaram-se à alegação de que o caso não existia, não passava de um recurso sujo dos adversários, uma vez que ninguém -a não ser o delator que também acabou condenado- sabia da existência de um plano para garantir uma base aliada que desse sustentação às medidas tomadas ou ameaçadas pelo governo.
    Na base de "que nada sabiam", o processo foi batizado de Ação Penal 470, contrariando o deputado Miro Teixeira que, salvo engano meu, foi o primeiro a falar em mensalão, termo negado veementemente pelos já citados suspeitos.
    Pedindo as devidas vênias aos interessados, e guardando as proporções do mensalão com o julgamento de Nuremberg, que condenou criminosos de guerra depois do segundo conflito mundial no século 20, lembro que o argumento brandido pelos chefes que sobreviveram ao nazismo, era o mesmo: não sabiam de nada. A culpa pelo assassinato de milhões de pessoas foi atribuída a dois suicidas, Hitler e Himmler, este último o responsável historicamente pela "Solução Final" e aprovada com entusiasmo pelo seu chefe máximo.
    Diante da alegada negação dos piores crimes da Humanidade, inclusive do Holocausto, o juiz que presidia o julgamento fez exibir no plenário alguns documentários que até hoje nos horrorizam e frequentemente são exibidos nos cinemas e nas televisões de todo o mundo.
    Mesmo assim, um dos réus principais, o todo-poderoso Göring, que depois de Hitler era o personagem mais importante daquele regime, negou a realidade das monstruosas cenas documentadas, dizendo que qualquer fotógrafo ou cinegrafista podia registrar cadáveres anônimos em diversos lugares do mundo. Bem editadas, as cenas dariam uma prova dos crimes que os demais réus diziam ignorar.
    Numa palavra: tal como os réus do mensalão, eles não sabiam de nada, nunca tinham ouvido falar em campos de concentração e crematórios.
    O próprio Hermann Göring suicidou-se em sua cela, horas antes de ser enforcado. Ele, o ex-marechal-de-campo, pedira ao juiz o favor de ser fuzilado como um soldado no campo de batalha, mas garantiu a seus julgadores que "daqui a cem anos haverá estátuas de mármore em todas as cidades alemãs, em minha homenagem, como o grande herói da grande Alemanha".
    Somente um réu admitiu sua culpa no maior massacre da história. Foi o arquiteto oficial do regime, Albert Speer, amigo pessoal de Hitler, que escapou da forca mas foi condenado a 20 anos de prisão por ter aceito o cargo de ministro dos Armamentos, já no fim do regime. Ele confessou que recrutava prisioneiros para o trabalho nas fábricas, salvara muitos da morte mas assumia a responsabilidade pelo crime praticado.
    O próprio Churchill encaminhou ao Tribunal de Nuremberg um pedido de libertação para o arquiteto. Stálin, cujas tropas tomaram Berlim e apressaram o suicídio de Hitler, pediu que aquela corte não atendesse ao apelo do seu eventual aliado inglês.
    Ainda bem que o caso do mensalão não pode ser comparado nem de longe às atrocidades nazistas: para alguns, Deus ainda é brasileiro. Mas o escândalo político-financeiro que o STF escancarou para todos nós, pode ser o primeiro sinal de que o mesmo Senhor, que abriu as torneiras para as águas do Dilúvio e providenciou o fogo para destruir Sodoma e Gomorra, decida mudar de nacionalidade e resolva ser cidadão das ilhas Papua.

    quinta-feira, 11 de outubro de 2012

    DANUZA LEÃO Para que o amor dure


    É POSSÍVEL PRETENDER que uma mulher e um homem jurem se amar para o resto de suas vidas? Difícil, mas é o que acontece milhares de vezes por dia, na maioria dos países, em cerimônias de casamento. É como um contrato em que regras são estabelecidas mas nem sempre cumpridas, mas há quem garanta que regras foram feitas para isso.
    Mas essa, convenhamos, é muito radical. Seria um sonho amar e ser amada pela mesma pessoa até o fim dos dias, no lugar de passar a vida tentando, tentando, se decepcionando, sofrendo, fazendo sofrer. Seria maravilhoso que as pessoas se casassem e se amassem para sempre, mas não é sempre que isso acontece.
    E quando não acontece, são meses, às vezes anos de sofrimento para um monte de gente: os próprios, os filhos dos próprios, os pais dos próprios, os amigos que falam e tomam partido, ficam amigos de um lado e rompem com o outro, fora a divisão dos bens, a pensão alimentícia etc.; uma desestruturação geral, um caos.
    Mas já que é um contrato, porque não mudar as regras, com a concordância dos dois envolvidos?
    Poderia ser assim: tudo mais ou menos igual, mas já determinando, antes, o que é de quem, em caso de separação. Quando isso é feito no tempo das rosas, entre beijos e carinhos, pode ser uma tarde bem divertida um dizendo "ah, mas se a gente se separar, o som é meu", enquanto o outro responde "se você fica com o som, então eu fico com a TV", e sobretudo quem fica no apartamento e quem sai.
    Tudo escrito num bloquinho, assinado pelos dois, que dali iriam direto para a cama rindo e dizendo que nada daquilo aconteceria jamais, pois o amor deles seria eterno.
    Nesse contrato haveria uma cláusula, para mim a principal, igualzinha a quando se aluga um apartamento: o tempo de duração da relação. Um ano seria um prazo ótimo: nem curto demais, nem longo demais. Quando o dia chegasse, estariam automaticamente descasados e separados, e caberia apenas uma pergunta, como no programa de Silvio Santos: vai continuar ou vai desistir? Depois da resposta, ou uma nova lua de mel, ou cabe ao que vai sair fazer as malas e desaparecer sem ter que discutir a relação; sem ter que discutir a relação, está claro?
    Essa cláusula preservaria e muito as uniões, e os casamentos durariam bem mais. Por quê? Vejamos.
    Se uma pessoa sabe que num dia determinado o contrato termina -e ela está feliz com sua vida-, faz o quê? Trata de cuidar muito bem do seu marido/mulher, de encher de carinhos, de fazer as vontades, de se comportar como o parceiro/a ideal.
    Se fizer assim, dificilmente o outro/ outra vai deixar de amar, e a prorrogação do contrato por mais um ano será automática. No ano seguinte, a mesma coisa, os mesmos cuidados, os mesmos carinhos. Sinceramente: se você sabe que pode perder aquela pessoa numa data já determinada, não vai fazer todas as gracinhas para que isso não aconteça?
    Mas se mesmo assim um se apaixonar por outra/o e ficar esperando ansiosamente pela data do fim do contrato para fazer as malas e se mandar, é porque não ia dar certo mesmo.
    E nesse caso terá que pagar uma multa, exatamente como nos contratos de aluguel. Assim, com o dinheiro da multa, o que foi deixado poderá fazer uma viagem - a Foz do Iguaçu ou às ilhas gregas- e lá encontrar mais um verdadeiro amor de sua vida.

    segunda-feira, 8 de outubro de 2012

    MARTHA MEDEIROS - Narrar-se




    “Quem escreve está sempre se delatando, de forma direta ou
    camuflada. E como temos inquietações parecidas, os leitores
    se identificam: ‘Parece que você lê meus pensamentos’”


    Sou fã de psicanálise, de livros de psicanálise, de filmes sobre psicanálise e não pretendo desgrudar o olho da nova série do GNT, Sessão de Terapia, dirigida por Selton Mello. Algum voyeurismo nisso? Total. Quem não gostaria de ter acesso ao raio-x emocional dos outros? Somos todos bem resolvidos na hora de falar sobre nós mesmos num bar, num almoço em família, até escrevendo crônicas. Mas, em colóquio secreto e confidencial com um terapeuta, nossas fraquezas é que protagonizam a conversa.

    Por 50 minutos, despejamos nossas dúvidas, traumas, desejos, sem temer passar por egocêntricos. É a hora de abrir-se profundamente para uma pessoa que não está ali para condenar ou absolver, e sim para estimular que você escute atentamente a si mesmo e assim consiga exorcizar seus fantasmas e viver de forma mais desestressada. Alguns pacientes desaparecem do consultório logo após o início das sessões não estão preparados para esse enfrentamento.

    Outros levam anos até receber alta. E há os que nem quando recebem vão embora, tal é o prazer de se autoconhecer, um processo que não termina nunca. Desconfio que será o meu caso. Minha psicanalista um dia terá que correr comigo e colocar um rottweiler na recepção para impedir que eu volte. Já estou bolando umas neuroses bem cabeludas para o caso de ela tentar me dispensar.

    Analisar-se é aprender a narrar a si mesmo. Parece fácil, mas muitas pessoas não conseguem falar de si, não sabem dizer o que sentem. Para mim não é tão difícil, já que escrever ajuda muito no exercício de expor-se. Quem escreve está sempre se delatando, seja de forma direta ou camuflada. E como temos inquietações parecidas, os leitores se identificam: “Parece que você lê meus pensamentos”. Não raro, eles levam textos de seus autores preferidos para as consultas com o analista, a fim de que aqueles escritos ajudem a elaborar sua própria narrativa.

    Meus pensamentos também são provocados por diversos outros escritores, e ainda por músicos, jornalistas, cineastas. Esse intercâmbio de palavras e sentimentos ajuda de maneira significativa na nossa própria narração interna. Escutando o outro, lendo o outro, se emocionando com o outro, vamos escrevendo vários capítulos da nossa própria história e tornando-nos cada vez mais íntimos do personagem principal – você sabe quem.

    Selton Mello, em entrevista, disse que para algumas pessoas o programa pode parecer chato, pois é todo baseado no diálogo entre terapeuta e paciente, e isso é algo incomum na televisão, que vive de muita ação e gritaria. De minha parte, terá audiência cativa até o último episódio, pois, mesmo não vivenciando os problemas específicos que a série apresenta, todos nós aprendemos com os dramas que acontecem na porta ao lado, é um bem-vindo convite a valorizar o humano que há em cada um. A introspecção não costuma atingir muitos pontos no ibope, mas é a partir dela que se constrói uma vida que merece ser contada.

    Sinal de vida - Fernando Henrique Cardoso



    A condenação clara e indignada, por ministros do Supremo Tribunal Federal, do mau uso da máquina pública revigora a crença na democracia


    Tenho dito e escrito que o Brasil construiu o arcabouço da democracia, mas falta dar-lhe conteúdo. A arquitetura é vistosa: independência entre os poderes, eleições regulares, alternância no poder, liberdade de imprensa e assim por diante. Falta, entretanto, o essencial: a alma democrática.

    A pedra fundamental da cultura democrática, que é a crença e a efetividade de todos sermos iguais perante a lei, ainda está por se completar. Falta-nos o sentimento igualitário que dá fundamento moral à democracia. Esta não transforma de imediato os mais pobres em menos pobres. Mas deve assegurar a todos oportunidades básicas (educação, saúde, emprego) para que possam se beneficiar de melhores condições de vida. Nada de novo sob o sol, mas convém reafirmar.

    Dizendo de outra maneira, há um déficit de cidadania entre nós. Nem as pessoas exigem seus direitos e cumprem suas obrigações, nem as instituições têm força para transformar em ato o que é princípio abstrato.
    Ainda recentemente um ex-presidente disse sobre outro ex-presidente, em uma frase infeliz, que diante das contribuições que este teria prestado ao país não deveria estar sujeito às regras que se aplicam aos cidadãos comuns... O que é pior é que esta é a percepção da maioria do povo, nem poderia ser diferente, porque é a prática habitual.

    Pois bem, parece que as coisas começam a mudar. Os debates travados no Supremo Tribunal Federal e as decisões tomadas até agora (não prejulgo resultados, nem é preciso para argumentar) indicam uma guinada nessa questão essencial. O veredicto valerá por si, mas valerá muito mais pela força de sua exemplaridade.
    Condenem-se ou não os réus, o modo como a argumentação se está desenrolando é mais importante do que tudo. A repulsa aos desvios do bom cumprimento da gestão democrática expressada com veemência por Celso de Mello e com suavidade, mas igual vigor, por Ayres Britto e Cármen Lúcia, são páginas luminosas sobre o alcance do julgamento do que se chamou de “mensalão”.

    Ele abrange um juízo não político-partidário, mas dos valores que mantêm viva a trama democrática. A condenação clara e indignada do mau uso da máquina pública revigora a crença na democracia. Assim como a independência de opinião dos juízes mostra o vigor de uma instituição em pleno funcionamento.
    É esse, aliás, o significado mais importante do processo do mensalão. O Congresso levantou a questão com as CPIs, a Polícia Federal investigou, o Ministério Público controlou o inquérito e formulou as acusações, e o Supremo, depois de anos de dificultoso trabalho, está julgando.

    A sociedade estava tão desabituada e descrente de tais procedimentos quando eles atingem gente poderosa que seu julgamento — coisa banal nas democracias avançadas — transformou-se em atrativo de TV e do noticiário, quase paralisando o país em pleno período eleitoral. Sinal de vida. Alvíssaras!

    Não é a única novidade. Também nas eleições municipais o eleitorado está mandando recados aos dirigentes políticos. Antes da campanha acreditava-se que o “fator Lula” propiciaria ao PT uma oportunidade única para massacrar os adversários. Confundia-se a avaliação positiva do ex-presidente e da atual com submissão do eleitor a tudo que “seu mestre” mandar.

    É cedo para dizer que não foi assim, pois as urnas serão abertas esta noite. Mas, ao que tudo indica, o recado está dado: foi preciso que os líderes aos quais se atribuía a capacidade milagrosa de eleger um poste suassem a camisa para tentar colocar seu candidato no segundo turno em São Paulo. Até agora o candidato do PT não ultrapassou nas prévias os minguados 20%.

    No Nordeste, onde o lulismo com as bolsas-família parecia inexpugnável, a oposição leva a melhor em várias capitais. São poucos os candidatos petistas competitivos. Sejam o PSDB, o DEM, o PPS, sejam legendas que formam parte “da base”, mas que se chocam nestas eleições com o PT, são os opositores eleitorais deste que estão a levar vantagem.

    No mesmo andamento, em Belo Horizonte, sob as vestes do PSB (partido que cresce), e em Curitiba são os governadores e líderes peessedebistas, Aécio Neves e Beto Richa, que estão por trás dos candidatos à frente. Em um caso podem vencer no primeiro turno, noutro no segundo.

    Não digo isso para cantar vitória antecipadamente, nem para defender as cores de um partido em particular, mas para chamar a atenção para o fato de que há algo de novo no ar. Se os partidos não perceberem as mudanças de sentimento dos cidadãos e não forem capazes de expressá-las, essa possível onda se desfará na praia.

    O conformismo vigente até agora, que aceitava os desmandos e corrupções em troca de bem-estar, parece encontrar seus limites. Recordo-me de quando Ulysses Guimarães e João Pacheco Chaves me procuraram em 1974, na instituição de pesquisas onde eu trabalhava, o Cebrap, pedindo ajuda para a elaboração de um novo programa de campanha para o partido que se opunha ao autoritarismo.

    Àquela altura, com a economia crescendo a 8% ao ano, com o governo trombeteando projetos de impacto e com a censura à mídia, pareceria descabido sonhar com vitória. Pois bem, das 22 cadeiras em disputa para o Senado, o MDB ganhou 17. Os líderes democráticos da época sintonizaram com um sentimento ainda difuso, mas já presente, de repulsa ao arbítrio.

    Faz falta agora, mirando 2014, que os partidos que poderão eventualmente se beneficiar do sentimento contrário ao oportunismo corruptor prevalecente, especialmente PSDB e PSB, disponham-se cada um a seu modo ou aliando-se a sacudir a poeira que até agora embaçou o olhar de segmentos importantes da população brasileira.

    Há uma enorme massa que recém alcançou os níveis iniciais da sociedade de consumo que pode ser atraída por valores novos. Por ora atuam como “radicais livres” flutuando entre o apoio a candidatos desligados dos partidos mais tradicionais e os candidatos daqueles dois partidos.

    Quem quiser acelerar a renovação terá de mostrar que decência, democracia e bem-estar social podem novamente andar juntos. Para isso, mais importante do que palavras são atos e gestos. Há um grito parado no ar. É hora de dar-lhe consequência.

    sexta-feira, 5 de outubro de 2012

    O plano perfeito - NELSON MOTTA



    E se Roberto Jefferson não tivesse denunciado o mensalão, como estaria o Brasil hoje?

    Pelo que o julgamento do Supremo Tribunal Federal está provando, o PT teria a maior e mais fiel base de apoio do Ocidente, maior até do que a velha Arena da ditadura, presidida por Sarney. Além dos cargos e boquinhas de sempre, os partidos aliados teriam suas despesas de campanha bancadas pelo PT. Assim, tanto nas votações no Congresso como nas eleições, não seria uma coalizão, mas um rolo compressor. A democracia perfeita de Lula e Dirceu.

    Seria preciso apenas encontrar novas fontes de financiamento da operação, além dos empréstimos de araque de Marcos Valério no Banco Rural e no BMG e do desvio de dinheiro do Visanet, que não seriam suficientes para pagar as dívidas e as campanhas do PT, e as despesas crescentes com a voracidade da base aliada, que quanto mais come mais fome tem.

    De onde sairia o dinheiro? Militantes do partido em postos-chave na administração pública facilitariam concorrências e superfaturariam campanhas publicitárias e eventos produzidos pelas agencias de Marcos Valério, que ficaria com uma parte do butim. Depois era só lavar o dinheiro na Bonus Banval e distribuí-lo aos aliados para garantir a governabilidade sem fazer concessões politicas e a aprovação de seus projetos que - eles tinham certeza - eram os melhores para o povo brasileiro.

    Como Lula e Dirceu sabiam melhor que ninguém, pelo menos 300 picaretas estavam à venda no Congresso. Então, por que não comprá-los para servir ao governo do primeiro operário a chegar à Presidência, para atualizar e fazer as "reformas de base" que derrubaram Jango e Brizola em 1964? Era uma causa nobre, um velho sonho, um plano perfeito. Ou quase.

    Mais do que um inútil exercício de retrofuturologia, imaginar as consequências funestas da continuidade do mensalão - que não ia parar ali, cresceria e envenenaria o Congresso, as campanhas eleitorais, a democracia e o Estado - serve para dar um suspiro de alívio e agradecer ao procurador-geral e aos ministros do Supremo Tribunal Federal. E ao gesto tresloucado de Roberto Jefferson.