terça-feira, 16 de abril de 2013

Quando eu estiver louco, se afaste (Martha Medeiros)


  • Há que se respeitar quem sofre de depressão, distimia, bipolaridade e demais transtornos psíquicos que afetam parte da população. Muitos desses pacientes recorrem à ajuda psicanalítica e se medicam a fim de minimizar os efeitos desastrosos que respingam em suas relações profissionais e pessoais. Conseguem tornar, assim, mais tranquila a convivência.

    Mas tem um grupo que está longe de ser doente: são os que simplesmente se autointitulam “difíceis” com o propósito de facilitar para o lado deles. São os temperamentais que não estão seriamente comprometidos por uma disfunção psíquica – ao menos, não que se saiba, já que não possuem diagnóstico. São morrinhas, apenas. Seja por alguma insegurança trazida da infância, ou por narcisismo crônico, ou ainda por terem herdado um gênio desgraçado, se decretam “difíceis” e quem estiver por perto que se adapte. Que vida mole, não?

    Tem uma música bonita do Skank que começa dizendo: “Quando eu estiver triste, simplesmente me abrace/Quando eu estiver louco, subitamente se afaste/quando eu estiver fogo/suavemente se encaixe...”. A letra é poética, sem dúvida, mas é o melô do folgado. Você é obrigada a reagir conforme o humor da criatura.

    Antigamente, quando uma amiga, um namorado ou um parente declarava-se uma pessoa difícil, eu relevava. Ora, estava previamente explicada a razão de o infeliz entornar o caldo, promover discussões, criar briga do nada, encasquetar com besteira. Era alguém difícil, coitado. E teve a gentileza de avisar antes. Como não perdoar?

    Já fui muito boazinha, lembro bem.

    Hoje em dia, se alguém chegar perto de mim avisando “sou uma pessoa difícil”, desejo sorte e desapareço em três segundos. Já gastei minha cota de paciência com esses difíceis que utilizam seu temperamento infantil e autocentrado como álibi para passar por cima dos sentimentos dos outros feito um trator, sem ligar a mínima se estão magoando – e claro que esses “outros” são seus afetos mais íntimos, pois com amigos e conhecidos eles são uns doces, a tal “dificuldade” que lhes caracteriza some como num passe de mágica. Onde foi parar o ogro que estava aqui?

    Chega-se numa etapa da vida em que ser misericordioso cansa. Se a pessoa é difícil, é porque está se levando a sério demais. Será que já não tem idade para controlar seu egocentrismo? Se não controla, é porque não está muito interessada em investir em suas relações. Já que ficam loucos a torto e direito, só nos resta nos afastar, mesmo. E investir em pessoas alegres, educadas, divertidas e que não desperdiçam nosso tempo com draminhas repetitivos, dos quais já se conhece o final: sempre sobra para nós, os fáceis.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

A moda: e isso pega? (DANUZA LEÃO)



Ninguém se torna gay de repente, só porque está na moda; alguma semente deve existir, lá no fundo do peito

Quando vim morar no Rio, vindo de Vitória -eu era uma criança-, lembro que em Copacabana, onde morava, existia um único personagem gay. Seu nome era Bob; quando visto na rua, era um acontecimento, e logo se comentava "eu vi o Bob hoje" -e em que lugar, e como estava vestido, e todos os detalhes.
Ninguém o conhecia, de conversar, mas ele era uma pessoa que fazia parte da vida do bairro, e era o único. O tempo foi passando, outros gays foram surgindo -atores, cantores, artistas em geral-, e ainda mais tarde muitos amigos foram, aos poucos, saindo do armário.
No início se comentava, discretamente, essas modificações sexuais; depois, nem foi mais preciso, pois não havia nem mais armário onde as pessoas se escondessem, e a vida ficou mais prática.
O que eu não entendo: será que no tempo em que -aparentemente- só existia Bob, a comunidade gay era tão grande como no presente, só que todos se escondiam?
Hoje, às vezes, a existência dessa população parece maior do que a dos héteros, e num domingo de verão em Ipanema só vendo para crer: são bandeiras em arco-íris, tangas extravagantes, alguns de brincos, pulseiras, colares, cabelos de todas as cores e formatos; a paquera é franca e aberta, prova da liberdade que têm todas as pessoas, nos dias de hoje, de escolher o que querem ser, em matéria inclusive de sexo.
Mas eu me pergunto: nos tempos passados, será que eram tantos assim, só que enrustidos, ou essa população cresceu tanto? Não sei se é a onda -ou moda- do casamento gay, de que tanto se fala, que pegou, como tantas modas pegam ou não.
Mas penso que ninguém se torna gay de repente, só porque está na moda; alguma semente deve existir, lá no fundo do peito, desde sempre, e como não existem mais os problemas de repressão, quem tinha razão era Cole Porter, em sua maravilhosa canção "Anything Goes" (numa tradução livre, Tudo é válido).
Tudo bem, tudo certo, só que -volto a dizer- ninguém fica homossexual porque está na moda, e é aí que entra uma outra indagação que não tem nada a ver, mas pensamentos são assim mesmo: vão chegando e não têm nada a ver um com o outro.
Existem os que não sabem cozinhar um ovo, e por mais que esteja na moda nos dias de hoje, para homens e para mulheres, entrar na cozinha e fazer um prato maravilhoso, não é esse fato que vai ajudar ninguém a fazer um ovinho mexido delicioso. Ou você nasce com o dom divino de lidar com as panelas, ou não, e isso não se aprende: é dom mesmo.
Mas eis que hoje você liga a televisão, abre uma revista, e se dá conta de que todo mundo agora é chef. Todas as mocinhas e rapazes que não sabem o que ser na vida fazem um curso em Paris, Londres ou Nova York, viram estrelas dos restaurantes mais fantásticos, e eu não consigo entender que tantas pessoas tenham adquirido esse talento que, no meu entender, vem do berço: o de cozinhar bem.
Para mim, ou você nasce com tendência a ser gay, ou a mão boa para fazer um belo prato na cozinha, porque certas coisas são difíceis de improvisar.
O mais provável? Que eu cada vez entendo menos desse mundo.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Apegos (Martha Medeiros)



Dizem alguns filósofos: o apego é a causa de todas as nossas dores emocionais. Concordo, mas faço ressalvas. O apego também provoca inúmeras alegrias e satisfações. Não faz sentido evitar filhos, paixões e amizades a fim de se proteger de tristezas, preocupações e frustrações. Passar uma vida inteira desapegada das pessoas seria entregar-se ao vazio existencial – e nunca ouvi dizer que isso gerasse bem-estar. Desapegar-se em troca de paz é uma falácia, só demonstra covardia de viver.

Não haveria um caminho do meio? Xeretando ainda mais os livros de filosofia, encontrei algo do romeno Cioran que me pareceu chegar bem perto de uma saída para o impasse. Diz ele que a única forma de viver sem drama é suportar os defeitos dos demais sem pretender que sejam corrigidos.

Eis aí uma fórmula bem razoável para não se estressar. Continue apegando-se, mas mantenha 100% de tolerância com todos. Em tese, é perfeito.

Em menos de poucos segundos, consigo listar tudo o que me incomoda nas pessoas que mais amo. Conseguiria listar também o que me faz amá-las, é claro, mas o ser humano veio com um chip do contra: os defeitos dos outros sempre parecem mais significativos do que suas qualidades. Depois de um longo tempo de convívio, aquilo que nos exaspera torna-se mais relevante do que aquilo que nos extasia.

Pois a recomendação é: exaspere-se, se quiser, mas saiba que não vai adiantar. Nada do que você disser, nenhuma cobrança, nenhum discurso, nenhuma chantagem, nenhuma novena, nada fará com que os defeitos do seu pai, da sua mãe, do seu marido, da sua mulher ou dos seus filhos desapareçam num passe de mágica. Assim como os seus também jamais evaporarão, por mais que os outros rezem e supliquem pra você deixar de ser tão ........... (preencha os pontinhos). Você é capaz de reconhecer seu defeito mais insuportável?

Só mesmo passando uma longa temporada num mosteiro do Tibete para desenvolver a capacidade de aceitar tudo o que nos tira do sério. Seu filho indiferente, seu marido pão duro, sua mãe mal-humorada, sua amiga carente, seu chefe durão, seu zelador folgado, sua irmã fofoqueira, seu colega chatonildo – imagine que paraíso se pudéssemos relevar essas e tantas outras diferenças, comungando com os defeitos alheios sem nunca mais esperar que os outros mudem. Deixar de esperar é uma libertação.

Pois não espere mesmo, pois ninguém vai mudar nem um bocadinho. Nem você, nem aqueles que você tanto ama, por mais que você pense que seria fácil alguém deixar de ser ranzinza, orgulhoso ou o que for. Aceite todos como são e aleluia: drama, nunca mais. Se conseguir, tem um troféu esperando por você, além de prêmio em dinheiro e uma foto autografada do Buda.