terça-feira, 20 de maio de 2014

Gente fina (Martha Medeiros)




Gente fina, é aquela que é tão especial, que a gente
nem percebe se é gorda, magra, velha, moça,
loira, morena, alta ou baixa.
Ela é gente fina, ou seja, está acima de
qualquer classificação.Todos a querem por perto.
Tem um astral leve, mas sabe aprofundar as questões, 
quando necessário.É simpática, mas não bobalhona.
É uma pessoa direita, mas não escravizada 
pelos certos e errados: sabe transgredir, sem agredir.
Gente fina é aquela que é generosa, mas não banana.
Te ajuda, mas permite que você cresça sozinho.
Gente fina diz mais sim do que não, e faz isso 
naturalmente, não é para agradar.
Gente fina se sente confortável em qualquer ambiente:
num boteco de beira de estrada
e num castelo no interior da Escócia.
Gente fina não julga ninguém - tem opinião, apenas.
"Um novo começo de era, com gente fina,
elegante e sincera".
O que mais se pode querer?
Gente fina, não esnoba, não humilha, não trapaceia, 
não compete e,como o próprio nome diz, não engrossa.
Não veio ao mundo pra colocar areia no projeto dos outros.
Ela não pesa, mesmo sendo gorda, e não é leviana, mesmo sendo magra.
Gente fina é que tinha que virar tendência.
Porque, colocando na balança, é quem faz toda a diferença.



Martha Medeiros

Fascínio e Admiração (Fabrício Carpinejar)




Quando começa o amor? Certamente quando o fascínio encontra a verdade de cada um. Aí, é pegar ou largar.

Amor não é fascínio, amor é depois do fascínio, amor é compreensão.

O fascínio ainda é arrebatamento, tudo agrada, tudo é elogiado porque é inédito.

Não queremos perder nossa companhia, é só o que interessa, então não mostramos nenhuma resistência. 
Não nos incomodamos. Desligamos o senso crítico.

Há também a liberdade de não ter futuro. Não nos enxergamos morando com a pessoa. 
Não nos enxergamos descascando os problemas e a rotina com a pessoa. Não nos enxergamos discutindo longas madrugadas com a pessoa. 

Não nos enxergamos defendendo os nossos pequenos hábitos, antes naturais e automáticos, diante do olhar espantado.

O fascínio não inclui projetos, é fruição.
O fascínio não envolve julgamento.

Fascínio é a lua de mel das virtudes.
É se deixar levar. É não pensar demais.

Fascínio é hipnose, transe, mergulho sem os pés medindo a temperatura e a fundura da água.

Todos começam fascinados e terminam decepcionados no relacionamento.

Surge a dúvida: Será que é ele? Será que é ela? A dúvida não é ruim, a dúvida é quando passamos a praticar a verdade.

O fascínio é o éden, já a sinceridade é a maçã mordida.

No fascínio, o certo e o errado não existem, apenas a vontade imperiosa de ficar junto.

É preciso cair para se vincular. É preciso questionar para confirmar.

A decepção é que desenvolve o amor.
A frustração é que amadurece o amor.

É quando percebemos que o outro não está nem na nossa cabeça, nem no nosso coração, e que temos que percorrer um longo caminho a cada manhã para conhecê-lo. Aquele que parecia tão nosso é um estranho: vem o medo, a angústia, a ansiedade que destroem a inteireza das palavras. É quando o outro mente, é quando o outro comete uma falha, é quando o outro é grosseiro, e então o fascínio desaparece, e somos reais de novo e temos que tomar uma decisão pesando pontos positivos e negativos.

E a escolha é perdoar os erros e, mais do que isso, entender os erros e considerá-los naturais. Perdoar os erros de quem nos acompanha como perdoamos os nossos próprios erros.

É concluir que ele ou ela não acerta sempre, mas acerta mais do que erra e vale a pena continuar.

Troca-se a invencibilidade pela fragilidade. Troca-se a projeção pela introspecção.

Da morte do fascínio (a inconsciência da paixão), nasce a admiração (a consciência do amor) – esta, sim, será pela vida afora.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Mães de hospital (Jairo Marques)


Elas possuem no organismo o analgésico mais poderoso, aquele que enfrenta e apazigua as dores da incerteza do futuro
Não há sinônimo melhor para doação do que mães que vivem em hospitais no aguardo incansável e angustiante de chegar o grande dia no qual poderão levar suas crias de volta para casa, mesmo que elas já tenham sua plumagem bem frondosa, mesmo que elas jamais consigam pular amarelinhas de forma independente dali em diante.
Ter o filho novamente em casa após uma internação pode ser mais significativo do que o dia da formatura, o da primeira peça de teatro, o da primeira palavra balbuciada, pois significa uma chance nova de criar outras histórias incríveis e lindas para os porta-retratos e para a literatura de viver.
Mães de hospital não têm coluna, porque são capazes de dormir meses em um sofazinho sinuoso e desconfortável que guarda displicente o leito do filho enfermo. Possuem no organismo o analgésico mais poderoso, aquele que enfrenta e apazigua as dores da incerteza do futuro e de um ligeiro descaso do pessoal que serve as refeições, quando ela tanto esperava para seu pequeno um cuidado particular.
Elas choram pelos cantos para não fazer barulho e não comprometer os corações sensíveis de seus meninos. Ao mesmo tempo, são capazes dos melhores e mais largos sorrisos para os médicos que "prometerem" aquela visita mais longa, mais detalhada e mais otimista.
Mães de hospital não veem feiura em queimadura ou em má-formação, não sentem arrepios de sangue entrando ou saindo pelas veias --afinal, trata-se da busca da cura--, sabem tudo a respeito de erisipela, imunodeficiência, interação medicamentosa e quimioterapia.
A antessala de um centro de cirurgia pode ser mais dramática que os próprios acontecimentos da unidade se lá estiver uma mãe. Ela é capaz de ficar dez, 12 horas em pé, imóvel, para apenas "emanar energias boas" para que a mão do médico não trema, para que a sutura amarre de vez os problemas e os leve para bem longe de seus filhos amados.
Não existe possibilidades de mães de hospital almejarem o título da "melhor mãe do mundo", porque elas só estão interessadas em promover para si o básico: um banho rápido, um telefonema para o filho do meio pedindo a ele que estude e um afago na companheira do quarto 31, cuja menina piorou durante a madrugada.
E elas são firmes diante de choros aterradores vindos da dor de agulha, de dores nos ossos, na pele, na cabeça, no pensamento. O seu papel é passar segurança e confiança em que aquilo será para melhor, em que aquilo irá trazer de volta os momentos felizes das tardes de domingo.
Em mães de hospital, apenas as dores na alma são incontroláveis, mas essas elas teimam em resolver sozinha durante intermináveis insônias ou em um diabo chamado sono vigilante.
Por tudo isso, quando vir uma mãe de hospital, só dê a ela esperança, flores do campo e olhares de ternura. Não queira dar um toque de razão, uma frase de efeito ao coração ou se atreva a julgar o que, a seus olhos, parece "sacrifício".
Todo o esforço valerá a pena se for reconquistado pela mãe o direito de, logo cedinho, dar aqueles abraços de puro chamego e aqueles beijos estalados, meio lambidos e barulhentos, que nunquinha o clima da melhor enfermaria do mundo iria permitir.