segunda-feira, 22 de julho de 2013

As chatonildas (Martha Medeiros)


  • Sou gamada pelos filmes Antes do Amanhecer e Antes do Pôr do Sol. Ambos, na época, me inspiraram crônicas, e não seria diferente com a obra que encerra a trilogia, Antes da Meia-Noite, a maior DR cinematográfica recente. Não tão bom quanto os filmes anteriores, mas bom também, agora o casal protagonista, Jesse e Celine, enfrenta uma crise conjugal clássica. Qualquer pessoa que tenha vivido uma relação de mais de um ano – vá lá, dois anos – já protagonizou cenas quase idênticas. Somos todos iguais, o que me estarrece, visto que a charmosa Celine, que conquistou aquele guapo no primeiro filme da série e o fez perder o rumo de casa no segundo, se transformou na Maior Chata da História, assim mesmo, com maiúsculas. E o que é pior: essa Maior Chata da História, socorro, é meio parecida conosco.

    Celine pira. Faz perguntas inibidoras para o marido, numa tentativa de encurralá-lo nas próprias palavras. Busca sempre alguma entrelinha por trás do que o coitado do marido ousou falar. Tira conclusões estapafúrdias pela própria cabeça, faz drama por qualquer bobagem, não sabe se vai ou se fica. É o capeta travestido de mulher. Se você já assistiu ao filme, duvido que não tenha se identificado com pelo menos 10 minutos da histrionice da personagem, e estou sendo generosa, poderia tranquilamente falar aqui em identificação de meia-hora – ainda sendo generosa.

    Não que os homens sejam santos. Eles azucrinam. São eternos garotos de 12 anos que não crescem, a síndrome de Peter Pan segue firme e forte. Ainda assim, nada justifica nossa aporrinhação. Mulher é bicho tremendamente chato. Umas mais, outras menos. Rogo a Deus que eu esteja entre as menos. Por via das dúvidas, não perguntem aos meus ex.

    O que nos absolve (um pouco) é que a intenção é das melhores: só queremos limpar a área, clarear os problemas. Falamos, falamos, falamos, mas no fundo sonhamos com a paz do entendimento. Por isso, não nos cobrem, não nos façam de tolas, não nos sobrecarreguem: entendam que a paciência esgotou, não somos as mães universais, as eternas boazinhas e compreensivas, isso já deu. Mas precisamos transmitir esse nosso “deu” com menos verborragia, concordo.

    Pra não terminar essa crônica ressaltando apenas a chatice feminina, destaco uma frase do filme que aponta uma saída. Diz um personagem secundário: “o amor que sentimos por alguém não é o mais importante, o que interessa é o amor que sentimos pela vida”. Sábias palavras. Se o casal concorda que a vida é breve e merece ser apreciada com alegria e generosidade, sem valorização das encrencas, sem perpetuar traumas de infância, sem pensamentos estreitos, sem nenhuma espécie de rigidez, a relação poderá vir a ser um passeio no campo. Ame a vida, e meio caminho andado para um romance leve.

    Mas, claro, ajudará muito se nós, garotas, controlarmos a nossa doidice nata.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Anjos (Martha Medeiros)


  • Fala-se muito em Deus, mas pouco em anjos. Acredito neles, nos zelosos guardadores, não sentados em nuvens tocando trombeta, mas aqui, no plano terreno. Um pode ser o anjo do outro. Você pode ser meu anjo, e eu o seu.

    Vou compartilhar uma história que aconteceu no final de fevereiro. Recebi um convite para integrar a equipe de uma instituição britânica liderada pelo filósofo e escritor Alain de Botton, a The School of Life, que está introduzindo atividades no Brasil. Topei. No entanto, meu inglês é precário. Consigo viajar sem pagar micos, me comunico em hotéis e restaurantes, mas não tenho fluência para manter uma conversa digna com um estrangeiro, e isso será fundamental no novo desafio profissional que me surgiu. Preciso aprender inglês pra ontem. Como? De preferência, estudando fora, fazendo um curso de imersão. Até então, isso nunca tinha passado de um sonho da juventude.

    Dias depois de a The School of Life me procurar, recebi outro convite: lançar meus livros numa cidade litorânea do Rio Grande do Sul. Passei quase três horas autografando para veranistas e moradores de Torres. Quando a livraria estava fechando a porta, um homem insistiu em entrar. Um turista. Ele pediu uma dedicatória, a última da noite, e me entregou seu cartão. Era, simplesmente, um renomado gestor de cursos de inglês no Exterior. O procurei na semana seguinte e, para encurtar a história, estou matriculada em uma das escolas mais sérias da Inglaterra, já tenho um flat alugado e estou com toda a burocracia resolvida. De quebra, fiz um novo amigo.

    Esse tipo de história é recorrente na minha vida. Qualquer questão que se apresente, a solução cai do céu em dias, às vezes em horas, através de alguém que não conheço. O exemplo que dei é elitista, mas já aconteceram coisas bem mais prosaicas e milagrosas – nunca me apertei. Sempre um anjo apareceu do nada.

    Pode-se chamar isso de ter sorte, ou uma boa estrela. Dá no mesmo. Estamos falando de receptividade e de doação. Você tem um anjo porque também já foi o anjo de alguém. E se tudo não passar de baboseira, que seja. Num mundo rude como o nosso, há que se flertar com o esotérico.

    No momento em que você me lê, já estou em Londres. Segunda-feira começam minhas aulas e não vai ser moleza: serão seis horas por dia, afora os temas de casa e alguns compromissos com a The School of Life, a entidade que deu início a essa minha movimentação. Os textos que você lerá nos próximos domingos foram previamente entregues no jornal, e é provável que eu não consiga responder todos os e-mails como vinha fazendo até aqui. Prometo retornar em agosto mais inspirada e com histórias interessantes para contar dessa experiência. Enquanto isso, fique com os anjos.