domingo, 29 de julho de 2012

Encurtando... - Martha Medeiros



 “Passado e o futuro são dois períodos que já não interessam: cultua-se o presente como nunca. O que vale é este momento, agora, o instante vivido. Tudo digitalizado, virtual, instantâneo”


Quanto tempo leva para superar a dor da perda? Quanto tempo para digerir uma rejeição? Absorver que um sonho terminou? Esquecer uma frustração? Uma mágoa de infância? Um trauma? Uma demissão? Os psicanalistas provavelmente responderão que é preciso respeitar o ritmo de cada um. Há quem seja rápido na retomada da vida,  há os mais lentos, que necessitam de um acompanhamento mais intensivo. Não há como decretar: dois dias, dois meses, dois anos.

Só que a maioria da população não procura psicanalistas. Não tem dinheiro pra isso, e muito menos disponibilidade. As pessoas não podem parar no meio do dia para se consultar, pois trabalham insanamente, e tampouco possuem tempo para, segundo elas, desperdiçar. Sabe-se que análises são demoradas, que buscam e rebuscam nossa intimidade, que não é num estalar de dedos que se atenuam as dores internas. E qualquer coisa que demore, hoje em dia: não, obrigada.

Que inquietação. O passado e o futuro são dois períodos que já não interessam: cultua-se o presente como nunca antes. O que vale é este momento, agora, o instante vivido. Tudo digitalizado, virtual, instantâneo. Quem ainda espera dias por uma resposta? Meses por uma solução? Na vida burocrática, governamental, a demora ainda é praxe e se vale da morosidade para arrecadar mais e mais dinheiro, mas no plano pessoal, encurtaram-se as durações. Vive-se tudo de forma mais compacta, o começo e o fim mais próximos do que jamais foram. E acabamos impregnados dessa urgência, dessa vontade de resolver todas as tranqueiras com a maior agilidade possível.

Porém, há tranqueiras e tranqueiras.

Você consegue resolver pendências profissionais de imediato, consegue tomar decisões práticas sem se alongar: parabéns. Salve a produtividade. Mas não foram essas as questões levantadas no início desse texto. Falávamos de tristezas, de cicatrizar feridas, de aceitar o destino que nos coube, de assimilar mudanças. Sentimentos não são regidos por megabytes por segundo, não se vinculam a relógios, não obedecem a leis objetivas — é o curso da natureza que manda. E a natureza é surda e cega para o desatino. Exige a introspecção devida, sem a qual nada se resolve, só se mascara.

Diante da dor emocional, só há uma ordem a respeitar: paciência. De nada adianta inventar alegrias fajutas e se oferecer para a cobiça do mundo sem antes estar com a alma serenada e forte. É preciso saber esperar, do contrário a gente se atrapalha e só reforça a miséria existencial que preenche as madrugadas. Basta de tanta gente evitando pensar, evitando chorar, evitando olhar para dentro de si mesmo, sorrindo de um jeito tão triste que só faz demorar ainda mais o reencontro com o sorriso verdadeiro — aquele aguardando a hora certa de voltar. 

segunda-feira, 23 de julho de 2012

MARTHA MEDEIROS - Pequenas felicidades



- Cachorro-quente. 

- Na esteira de bagagens do aeroporto, sua mala estar entre as primeiras a aparecer. 

- Receber notícias de um amigo de que você gosta muito e que andava sumido. 

- Ter recebido de presente a série inteira de Mad Men para assistir atirada no sofá. 

- Numa loja de CDs usados, por um preço irrisório, encontrar discos de Keith Jarret, Tom Waits, Chet Baker e Miles Davis que você já teve em vinil e estupidamente se desfez. 

- Livros. Encantar-se por um autor que você não conhecia. 

- Num restaurante com os amigos, a última rodada ser brinde da casa. 

- Dentro do cinema, não haver ninguém conversando e fazendo barulho com papel de bala e saco de pipoca. 

- Revistas TPM, Lola, Bravo, Elle, Vogue, Joyce Pascowitch – revistas de moda, cultura, entretenimento e decoração são sempre um luxo acessível, uma fantasia necessária. 

- Lareira. 

- Sair bem na foto. 

- Passar um fim de semana no Rio. 

- Um bom programa de entrevistas na tevê. 

- Uma consulta altamente proveitosa na terapia. 

- Flores, folhagens, jardins, árvores, montanha. 

- Acertarem no presente. 

- Taxista que não corre. 

- Prazos de validade bem visíveis nos produtos perecíveis. 

- Banho quente. Sem pressa pra sair. 

- Declaração de amor de filho. 

- Declaração de amor do seu amor. 

- Conversar longamente com sua melhor amiga. Tomando um vinho tinto, melhor ainda. 

- Alguém encontrou e devolveu a carteira que você havia perdido com todos os documentos dentro. 

- Barulho de chuva antes de dormir. 

- Dia de sol ao acordar. 

- Massagem. 

- Receber um elogio profissional de alguém que você admira muito. 

- Subir na balança e descobrir que emagreceu. 

- Check-up que não acusa nenhum distúrbio de saúde. 

- Lembrar detalhes de um sonho bom. 

- A vibrante pulsação de um show ao vivo. 

- Biografias bem escritas de personalidades interessantes. 

- Praia com mar de cartão postal. 

- Festa boa. 

- A luz voltar. 

- Um dinheiro extra que você não estava esperando. 

- Beijo. 

- n Sair do dentista ouvindo a recomendação de voltar só dali a um ano. 

- Uma noite bem dormida. 

- Ter concluído satisfatoriamente todas as pendências da semana. 

- Seu time fazer o gol decisivo no último minuto do jogo – é preciso sofrer um pouquinho na vida. 

- Coca-Cola. Bombom. Pão com manteiga. Queijo. 

- Chorar de rir. 

- Quitar uma dívida. 

- Rever as obras de um pintor de que você gosta muito. 

- Seu cachorro de estimação. Seu gato aninhado em seu colo. 

- Identificar suas próprias pequenas felicidades e, mesmo nem tudo dando certo, gostar da vida que leva.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

A sorte de ser feio - Fabrício Carpinejar


As pessoas me chamam de feio, na verdade é uma promoção. Antes me chamavam de ET, agora  tomei a forma humana. E ainda perguntam como estou casado com uma mulher linda. Simples, mulheres lindas têm mau gosto e feios têm bom gosto.

Ser feio tem inúmeras vantagens e benefícios, pode perguntar ao Woody Allen:

- O feio é inesquecível, você olha uma vez e o choque é tão grande que guarda para sempre.

- Amor à primeira vista é para os bonitos. Para os feios, é amor ao primeiro trauma.

- Mais fácil se apaixonar pelo feio. Você não entende como ele nasceu assim, pede um prazo maior. O feio é um enigma, uma charada. Mulher abandona o homem quando entende rápido.

- O feio não é preguiçoso no relacionamento, não vai perder tempo ajeitando o cabelo e se olhando no espelho.

- O feio traz as melhores conversas. Ele depende da lábia para garantir a distração da mulher.

- O feio não envelhece, só melhora com o tempo. Diferente do bonito, que ficará um dia feio.

- Não, o feio não melhora com o tempo, você é que se acostumou com ele. Um feio conhecido torna-se simpático. Um feio desconhecido é apenas feio.

- Todo feio é engraçado, aprendeu a rir de si mesmo. Não conheço feio mal-humorado.

- O feio é educado, pois sofreu muito com a falta de educação dos outros,

- O feio não reclama, está sempre satisfeito. Quem reclama é o bonito, insaciável com os elogios.

- O feio gosta muito de seu nome, foi obrigado a suportar tudo o que é apelido,

- O feio é uma apoteose na cama, Sapucaí dos lençóis. A excitação feminina cresce com o medo.

- A mulher nunca se entedia com o feio, leva susto cada manhã.

- O feio é prático, já se acorda pronto, não precisa se arrumar.

- O feio apresenta uma maior resistência emocional, é capaz de ser um grande parceiro nas crises e usar a criatividade nos piores momentos.

- Ninguém duvida da masculinidade do homem feio. Já o homem bonito demais parece uma mulher.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

LUIZ FELIPE PONDÉ O infiel




Freud estava certíssimo: a maturidade é para poucos e viver uma infância retardada é mais seguro


Confesso: sou um infiel. Não no sentido de infidelidade amorosa, mas religiosa. Não creio no aquecimento global por causas antropogênicas (trocando em miúdos, não acho que nossos carros estejam aquecendo o planeta, e se o Sol fosse um Deus como uns pirados achavam que ele era, estaria rindo de nós e nossos ridículos celulares).
Freud estava certíssimo quando dizia que a maturidade é para poucos e viver uma infância retardada é um modo "seguro" de não enfrentar a vida adulta, que é sofrida, incerta, injusta e inviável.
Isso mesmo, repito para que meu pecado conste nos autos: não creio que o aquecimento global seja causado por emissão de gás carbônico, acho (inclusive tem cientista que afirma isso, os ecocéticos) que o recente aquecimento começou antes dos últimos cem anos, nos quais nosso gás carbônico cresceu, e ciclos de esquentamento e esfriamento sempre ocorreram.
Inclusive aquele aquecimento que se deu entre 50 mil e 20 mil anos atrás (muito conhecido por quem estuda religiões pré-históricas como eu), foi bem benéfico para nossos ancestrais, assim como também o foi o da Idade Média.
Não há consenso acerca das causas antropogênicas do aquecimento global, há sim consenso (todo mundo que estuda religião sabe disso) ao redor do fato que apocalipse sempre deu dinheiro. Gastava-se dinheiro com indulgências na Baixa Idade Média, por que não seria o medo do fim do mundo ainda hoje uma mina de dinheiro?
O mercado do apocalipse verde tem seus sábios-profetas-cientistas, mágicos, gurus espirituais, nutricionistas-sacerdotes de alimentação sagrada, mercado de cristais sustentáveis, enfim, tudo que há nos fanatismos humanos.
Ninguém saiu às ruas (muito menos nus) pela mecânica newtoniana, pela relatividade de Einstein, pelo empirismo de Bacon ou pelo evolucionismo darwiniano. Aliás, que mania mais "teenager" essa de tirar a roupa toda hora. Já estão barateando os seios.
As pessoas saem às ruas porque o verdismo é uma espiritualidade fanática como qualquer outra, regada a comunismo requentado: o verdismo é uma melancia, verde por fora, vermelho por dentro. A certeza daqueles que não comem carne acerca do pecado dos que comem é mais forte do que a condenação do orgasmo feminino pelas autoridades eclesiásticas mais idiotas que caminharam pela Europa nas Idades Média e Moderna.
Acho que a ciência do aquecimento global que afirma categoricamente que somos nós que aquecemos o planeta está mais para astrologia (sem querer ofender a astrologia) do que para astrofísica. Estamos perdendo um tempo danado deixando que as tribos dos sem-roupa fique atrapalhando um cuidado mais técnico acerca do futuro do planeta.
Isso não quer dizer que não exista um problema de sustentabilidade no mundo, apenas que os fanáticos verdes nem sempre ajudam a enfrentá-lo.
A "verdade científica" em jogo é o que menos importa, mesmo porque nenhuma controvérsia científica ao redor do tema pode ser vista como algo diferente de heresia. Discordar não é ser visto como alguém que debate teorias científicas, como deve ser o convívio saudável em qualquer ciência, mas sim como recusa de adesão a uma forma de verdade superior e pura.
As bobagens do tipo "teoria gaia" ofuscam os corações e mentes, como todo fanatismo sempre o fez, e impede muitas vezes de ver que a natureza em sua beleza é muitas vezes mais Medeia do que Gaia.
Em 1755, quando o grande terremoto destruiu Lisboa, a comunidade intelectual europeia se esforçou para eliminar das causas a "vontade de Deus". Hoje, supostos cientistas reintroduzem a forma mais vagabunda de metafísica na ciência, a da "deusa natureza".
Os coitados do Kant e do Newton nunca imaginaram que um dia iríamos retroceder às trevas assim. Andamos sim em círculos.
A pergunta que não quer calar é: se está certo quem diz que quando se quer saber a verdade sobre a sociedade deve-se seguir o dinheiro, cabe a nós identificarmos quem está ganhando rios de dinheiro com esse fanatismo que já se constituiu em mais um fator a dificultar sairmos do buraco econômico em que estamos.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

LUIZA NAGIB ELUF Ciúme, infelicidade e crime



Supervalorizar a fidelidade é um erro. Os amores livres, sem mentiras, narrados por Stieg Larsson nos mostram: nossa natureza não é a exclusividade

O ciúme nasce com o ser humano. Irmãos lutam pela atenção dos pais, crianças têm apego possessivo pelos brinquedos. No entanto, além das tendências inatas, padrões culturais centenários insuflam o sentimento de posse, de domínio do outro nas relações afetivas e sexuais.
Ao contrário do que disse Vinícius de Moraes, o ciúme não é o perfume do amor -e pode ser sua desgraça. Impossível estabelecer uma relação gratificante quando as perseguições e as cobranças são a tônica da vida a dois.
A exclusividade entre parceiros não deveria merecer tanta prioridade. A supervalorização da fidelidade é um erro, é a maior causa de infelicidade conjugal. Não que se deva ignorar a importância de um parceiro fiel e dedicado, mas a obsessão pela exclusividade pode tornar a vida um inferno e levar à violência doméstica. Crime passional nada mais é do que homicídio por ciúme.
O que caracteriza a passionalidade é o motivo do crime. O Código Penal qualifica o homicídio, aumentando a pena, quando ele é praticado por motivo torpe. O ódio gerado pelo ciúme e a sede de vingança que atormentam a pessoa que foi trocada por outra configuram a torpeza.
O móvel do crime é uma combinação de egoísmo, de amor próprio ferido, de instinto sexual e, acima de tudo, de uma compreensão deformada da Justiça, pois o homicida acha que está no seu "direito".
A pena prevista é de 12 a 30 anos de reclusão. Quanto mais estreita a mentalidade do agente, maior sua insegurança, sua necessidade de dominar e de se autoafirmar às custas da companheira ou companheiro.
O homicídio entre casais é uma aberração que durante séculos foi avalizada pela sociedade, principalmente quando o autor era homem e a vítima, apontada como traidora, era mulher. Foi assim que morreram Ângela Diniz, Eliane de Grammont, Sandra Gomide e muitas outras.
O caso Matsunaga é uma exceção à regra do crime passional. Na esmagadora maioria das vezes, quem mata é o homem; a mulher é vítima do marido e da sociedade patriarcal.
A tragédia transcende o casal. No geral, há filhos que ficam órfãos, pais e mães que definham no desespero de perdas irreparáveis, futuras gerações que são obrigadas a suportar o estigma do assassinato em família.
Está na hora de corrigir padrões de comportamento que contrariam a natureza humana e por isso não são respeitados.
A natureza não ditou a fidelidade eterna. A exclusividade entre parceiros existe, mas em geral é apenas temporária.
Além disso, o ciúme é um mal a ser extirpado, não a ser incentivado, como se costuma fazer. Não se pode cultivar sentimento de posse e propriedade sobre um ser humano.
Leon Rabinowicz, em 1933, já mostrava perplexidade com o crime passional: "Curioso sentimento o que nos leva a destruir o objeto de nossa paixão! Mas não devemos nos extasiar perante o fato. É preferível deplorá-lo". O instinto de destruição é exatamente o instinto de posse exacerbado. A propriedade completa compreende também o poder de matar.
O ciúme incomoda, fere, humilha quem o sente. Diz Roland Barthes: "Como ciumento, sofro quatro vezes: porque sou ciumento, porque me reprovo por isso, porque temo que meu ciúme magoe o outro e porque me deixo dominar por uma banalidade. Sofro por ser excluído, agressivo, louco e comum".
O sueco Stieg Larsson, autor da trilogia Millennium, criou em sua obra personagens envolvidos em tramas intrincadas e fascinantes. Extremamente moderno e arrojado, ele construiu relações amorosas baseadas na liberdade individual, mostrando as variadas possibilidades de ser feliz no amor sem as amarras da exclusividade e da mentira.
Se conseguirmos lidar melhor com nosso egoísmo, o fim do amor será sempre resolvido nas varas da família, não no Tribunal do Júri.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.debates@uol.com.br
LUIZA NAGIB ELUF, 57, é procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo. É autora, entre outros livros, de "A Paixão no Banco dos Réus" (Saraiva), sobre crimes passionais

domingo, 15 de julho de 2012

DANUZA LEÃO Querer demais da vida



Ser apenas feliz, para certas mulheres, é pouco. Dizem que não têm vocação para a vida normal e vão embora

Costuma ser assim: as pessoas se conhecem, se encantam umas pelas outras, procuram conhecer os amigos, a família, os gostos pessoais, e assim descobrir se foram feitos um para o outro, para se unirem e serem felizes, até que a morte os separe. Aí namoram e casam.
Bem, para começar, é raro que duas pessoas se unam e sejam felizes até que a morte as separe, e quando chegam a se descobrir, todo aquele enorme encantamento que sentiram no primeiro encontro começa a complicar.
Ela não gosta da mulher do melhor amigo dele -e já começa a implicar-, ele não vai com a cara da irmã dela -e já começa a implicar-, um gosta de churrascaria, o outro, de um japonês, e por aí vai.
Começa então a tentativa de adaptação, cada um abrindo mão de certas coisas para que a relação dê certo. As adaptações que eram feitas nos primeiros dias de namoro com enorme prazer, um ano depois podem virar motivo de mau humor, e a verdade verdadeira é que ninguém gosta de fazer concessões, cada um só quer fazer o que quer e o que gosta.
É da natureza humana, e natural, pois se duas pessoas gostam exatamente das mesmas coisas, das mesmas pessoas, sentem fome e sono sempre na mesma hora, e por aí vai, vira uma monotonia sem fim. Então que tal por uma vez fazer tudo diferente e tentar que tudo dê certo, pelo menos por um tempo?
Seria assim: uma mulher e um homem se conhecem, se olham, e sentem um total arrebatamento um pelo outro. Nesse momento eles sairiam de onde estivessem -da praia, do bar, da festa- e passariam a viver só desse amor, só para esse amor. Nesse mesmo dia iriam morar juntos, sem saber dos defeitos um do outro, se esconderiam do mundo, dos amigos, das famílias, e abririam mão de seus desejos mais intensos para agradar ao outro. Não é assim, quando se ama?
E como é assim, não brigariam por nada, não discutiriam por nada, não implicariam com coisa alguma, e a vida seria uma total felicidade -por um tempo, é claro. Mas chegaria o momento em que eles começariam a se conhecer melhor, e a vida real invadiria um mundo que até aquele momento era só deles; com isso viriam as complicações, as de sempre.
Teriam que conhecer os amigos e as famílias, chegaria o dia inevitável em que um deles -ela- diria que tem horror a futebol, e ele daria o troco dizendo que odeia os filmes de Woody Allen que foi obrigado a ver, para lhe fazer a vontade. E chegaria o dia cruel em que falariam pela primeira vez sobre política, e que não iriam votar no mesmo candidato. A partir daí, viraram um casal feliz, desses que se vê por aí.
Só que ser apenas feliz, para certas mulheres, é pouco. Algumas dizem ao marido que não têm vocação para a chamada vida normal, que vão embora. E ficam espantadas -quase decepcionadas- quando eles dizem estar de acordo.
Porque quem viveu momentos tão delirantes não pode se conformar com menos. Querem da vida muito, tudo, tanto, que não aceitam vivê-la como ela é.
E vão, cada um para o seu lado, na procura eterna de outros encontros apaixonantes, mesmo que curtos, sabendo que para encontrá-los -talvez- vão passar longas temporadas inteiramente sós.

sábado, 14 de julho de 2012

DRAUZIO VARELLA Pena de morte



Os rigores da lei cairiam exclusivamente sobre os mais pobres. Não é assim até hoje?

Não me sai da cabeça a imagem dos iranianos enforcados em guindastes, que a Folha publicou na "Primeira Página" duas semanas atrás.
Tenho certeza de que se houvesse um plebiscito, a pena de morte seria implantada também no Brasil. Para a maioria dos eleitores, bandido que tira a vida de um ser humano merece o mesmo destino da vítima, sem qualquer comiseração. Os mais radicais incluem nessa categoria os traficantes e os que assaltam à mão armada.
A lei do olho por olho é a saída mágica que a população encontra para acabar com a violência que nos assusta nas ruas e nos aprisiona dentro de casa. É justo manter a sociedade refém de uma minoria? Para que os cidadãos ordeiros possam viver em paz, não seria mais fácil eliminar fisicamente esses poucos que nos infernizam? A morte deles não serviria de exemplo para os que estão em início de carreira?
De fato, há situações em que a pena de morte tem grande poder intimidatório. É o caso da execução de desertores em tempo de guerra, do linchamento em pequenas comunidades ou dos assassinatos brutais que acontecem nas cadeias, condições extrajudiciais em que o direito de defesa sequer entra em cogitação.
Nos três casos citados há um denominador comum: o curto intervalo de tempo existente entre a prática do ato ilícito e a execução da sentença. O desertor enfrenta o pelotão de fuzilamento assim que é localizado, o estuprador que mata a criança na cidadezinha é linchado na hora e o presidiário acusado de delatar um plano de fuga morre no mesmo dia.
Para que a pena de morte tenha caráter educativo, há que ser aplicada de imediato. Quanto mais tempo decorrer entre o crime cometido e a punição do criminoso, menos didática e exemplar ela será.
A urgência para levar a cabo a execução sumária, por sua vez, tem um efeito colateral: é obrigatório fechar os olhos para injustiças eventuais, o que nesses casos significa matar homens e mulheres inocentes.
Como nas sociedades civilizadas a ideia de enforcar alguém é cada vez menos popular e a possibilidade de o Estado tirar a vida da pessoa errada é inaceitável, a pena de morte perdeu adeptos na maioria dos países. Os que ainda a defendem argumentam que bastaria garantir ao acusado amplo de direito de defesa.
É esse direito amplo o ponto crucial da questão, porque são raros os réus confessos, ainda que todas as evidências estejam contra eles. Para assegurar-lhes que não serão sentenciados injustamente, é necessário dispor de tempo, testemunhas, acareações, advogados de defesa, promotores e juízes, para não falar nos custos financeiros.
Veja o caso dos norte-americanos, em que o condenado aguarda anos e anos nos famigerados corredores da morte, até que um dia venham buscá-lo para a cerimônia fúnebre, realizada de forma secreta e envergonhada, como bem lembrou Hélio Schwartsman em sua coluna.
Um castigo administrado dez, 15 anos depois de um crime do qual ninguém mais se recorda, tem impacto zero na redução da criminalidade, como demonstram inúmeros estudos. Nos Estados americanos que aboliram a pena capital, os índices de criminalidade não aumentaram; naqueles que ainda a mantém, eles não são mais baixos.
Agora, analisemos o caso do Brasil. Com um Judiciário desigual e moroso como o nosso, quanto tempo levaria para que todos os prazos e recursos processuais fossem esgotados? Num país com enorme dificuldade para prender os que assaltam os cofres públicos, seria fácil condenar à morte uma pessoa influente, por mais hediondo que fosse o crime?
O assaltante da periferia que praticasse um latrocínio teria acesso a advogados com o mesmo preparo técnico do que o assassino impiedoso bem-nascido?
Não é preciso ser catedrático de direito penal para imaginar que o desenlace fatal levaria muitos anos para ocorrer. Escapariam dele os que tivessem dinheiro para contratar bons criminalistas, capazes de engendrar manobras jurídicas que tornariam os processos intermináveis.
Os rigores da lei cairiam exclusivamente sobre os mais pobres. Não era dessa forma no passado, e não é assim até hoje? Quem tem dinheiro, por acaso chega a cumprir em regime fechado o número de anos a que foi condenado? Em 23 anos frequentando cadeias, nunca vi.

domingo, 8 de julho de 2012

DANUZA LEÃO Eu queria saber



Nós que passamos a vida à procura de alguma coisa que nem sabemos bem o que é e que nunca achamos.

Este mundo tem coisas muito curiosas. Gatos e cachorros, por exemplo, servem para quê? E as girafas? E as flores?
Da minha janela vejo árvores e passarinhos que não fazem senão voar e pousar nos galhos, sempre muito inquietos; e alguém já viu passarinho dormir? Será que eles se afeiçoam entre eles ou a alguém? Será que passarinho pensa? Será que sofre?
Mas tem quem sofra por causa deles; tenho um amigo que, quando encontrou o seu morto na gaiola, ficou triste e entrou em depressão.
Passarinho eu não sei, mas cachorro e gato sofrem pelo dono, e uma vez, quando fiquei doente, meu gato não saiu de perto de mim um só instante.
Fico pensando se é justo ter um cachorro ou um gato. É verdade que quem tem é porque gosta, portanto trata bem; mas por outro lado, eles só comem o que nós queremos, o território deles é limitado e só têm vida sexual se a gente permite, e a gente nunca permite, olha que absurdo. Dizem os especialistas que se os machos não forem castrados e as fêmeas operadas, vão nascer ninhadas e mais ninhadas que serão abandonadas em um parque qualquer, e os filhotes vão morrer atropelados ou de fome, o que é de cortar o coração.
Mas é de cortar o coração também ver um gato olhando o mundo pela janela, um gato que não é dono de sua vida, que não pode passear quando quer e fazer o que lhe passa pela cabeça -e que nem sei o que seria. E volto a pensar: para que eles existem?
Girafas, zebras e leopardos correndo na selva são um lindo espetáculo, mas um hipopótamo ou um rinoceronte não despertam senão estranhezas. E as baratas? Bem que se podia passar sem elas, mas ouvi de um ecologista que se todas as baratas do mundo acabassem, o equilíbrio ecológico seria prejudicado, vai entender.
As cigarras, essas a gente sabe: seu canto é só alegria, e elas existem para anunciar o verão.
Frutas são todas lindas, e só servem para nos alimentar. Mas e o café? Como terá o primeiro homem inventado descascar o fruto, secar, torrar, moer e coar com água quente para o prazer de tantos?
E as borboletas? Não existe nada mais bonito do que uma borboleta voando, e às vezes penso que elas, como as flores, só existem para embelezar o mundo.
E os peixes, os sapos? Quem não caçou vaga-lumes e botou num vidro para brincar de lanterna pode dizer que teve infância?
E nós, para que existimos? Nós, que às vezes estamos felizes, outras infelizes, que brigamos com o carpinteiro porque a gaveta não ficou exatamente como se queria, nós que ficamos de mau humor porque engordamos dois quilos, nós que nos matamos para ganhar mais dinheiro e morar numa casa maior com mais armários e poder pagar bem caro a um médico para nos livrar dos tais dois quilos, nós que já fumamos, já bebemos e ainda comemos mais do que devíamos, que amamos e desamamos sei lá por que, e passamos a vida à procura de alguma coisa que nem sabemos bem o que é e que nunca achamos, e estamos, a maior parte do tempo, insatisfeitos, geralmente sem razão.
Nós, que vamos aos shoppings para escolher um vestido e um sapato e uma bolsa para usar numa festa que ainda nem sabemos se vai acontecer, nem se seremos convidadas, e se formos, talvez nem vamos ter vontade de ir, dá para entender?
Eu queria muito que alguém me explicasse tudo isso.