quinta-feira, 30 de junho de 2011

Dentro de um abraço (Martha Medeiros)



Arte George Tooker

 Onde é que você gostaria de estar agora, neste exato momento? Fico pensando nos lugares paradisíacos onde já estive, e que não me custaria nada reprisar: num determinado restaurante de uma ilha grega, na beira de diversas praias do Brasil e do mundo, na casa de bons amigos, em algum vilarejo europeu, numa estrada bela e vazia, no meio de um show espetacular, numa sala de cinema vendo a estreia de um filme muito esperado, e principalmente, no meu quarto e na minha cama, que nenhum hotel cinco estrelas consegue superar a intimidade da gente é irreproduzível.

Posso também listar os lugares onde não gostaria de estar: num leito de hospital, numa fila de banco, numa reunião de condomínio, presa num elevador, em meio a um trânsito congestionado, numa cadeira de dentista.

E então? Somando os prós e os contras, as boas e más opções, onde, afinal, é o melhor lugar do mundo?

Dentro de um abraço.

Que lugar melhor para uma criança, para um idoso, para uma mulher apaixonada, para um adolescente com medo, para um doente, para alguém solitário? Dentro de um abraço é sempre quente, é sempre seguro. Dentro de um abraço não se ouve o tic-tac dos relógios e, se faltar luz, tanto melhor. Tudo o que você pensa e sofre, dentro de um abraço, se dissolve.

Que lugar melhor para um recém-nascido, para um recém-chegado, para um recém-demitido, para um recém-contratado? Dentro de um abraço nenhuma situação é incerta, o futuro não amedronta, estacionamos confortavelmente em meio ao paraíso.

O rosto contra o peito de quem te abraça, as batidas do coração dele e as suas, o silêncio que sempre se faz durante esse envolvimento físico: nada há para se reivindicar ou agradecer, dentro de um abraço voz nenhuma se faz necessária, está tudo dito.

Que lugar no mundo é melhor para se estar? Na frente de uma lareira com um livro estupendo, em meio a um estádio lotado vendo seu time golear, num almoço em família onde todos estão se divertindo, num final de tarde de frente para o mar, deitado num parque olhando para o céu, na cama com a pessoa que você mais ama?

Difícil bater essa última alternativa, mas onde começa o amor, senão dentro do primeiro abraço? Alguns o consideram como algo sufocante, querem logo se desvencilhar dele. Até entendo que há momentos em que é preciso estar fora de alcance, livre de qualquer tentáculo. Esse desejo de se manter solto é legítimo, mas hoje me permita não endossar manifestações de alforria. Entrando na semana dos namorados, recomendo fazer reserva num local aconchegante e naturalmente aquecido: dentro de um abraço que te baste.

Passeatas diferentes (Contardo Caligarris)

Por que alguém desfila para pedir não liberdade para si mesmo, mas repressão para os outros?


DOMINGO PASSADO, em São Paulo, foi o dia da Parada Gay.
Alguns criticam o caráter carnavalesco e caricatural do evento. Alexandre Vidal Porto, em artigo na Folha do próprio domingo, escreveu que, na luta pela aceitação pública, "é mais estratégico exibir a semelhança" do que as diferenças, pois a conduta e a aparência "ultrajantes" podem ter "efeito negativo" sobre o processo político que leva à igualdade dos homossexuais. Conclusão: "O papel da Parada é mostrar que os homossexuais são seres humanos comuns, que têm direito a proteção e respeito, como qualquer outro cidadão".
Entendo e discordo. Para ter proteção e respeito, nenhum cidadão deveria ser forçado a mostrar conformidade aos ideais estéticos, sexuais e religiosos dominantes. Se você precisa parecer "comum" para que seus direitos sejam respeitados, é que você está sendo discriminado: você não será estigmatizado, mas só à condição que você camufle sua diferença.
Importa, portanto, proteger os direitos dos que não são e não topam ser "comuns", aqueles cujos comportamentos "caricaturais" testam os limites da aceitação social.
Nos últimos anos, mundo afora, as Paradas Gays ganharam a adesão de milhões de heterossexuais porque elas são o protótipo da manifestação libertária: pessoas desfilando por sua própria liberdade, sem concessões estratégicas. É essa visão que atrai, suponho, as famílias que adotam a Parada Gay como programa de domingo. A "complicação" de ter que explicar às crianças a razão de homens se esfregarem meio pelados ou de mulheres se beijarem na boca é largamente compensada pela lição cívica: com o direito deles à diferença, o que está sendo reafirmado é o direito à diferença de cada um de nós.
O mesmo vale para a Marcha para Jesus, que foi na última quinta (23), também em São Paulo. Para muitos que desfilaram, imagino que a passeata por Jesus tenha sido um momento de afirmação positiva de seus valores e de seu estilo de vida -ou seja, um desfile para dizer a vontade de amar e seguir Cristo, inclusive de maneira caricatural, se assim alguém quiser.
Ora, segundo alguns líderes evangélicos, os manifestantes de quinta-feira não saíram à rua para celebrar sua própria liberdade, mas para criticar as recentes decisões pelas quais o STF reconheceu a união estável de casais homossexuais e autorizou as marchas pela liberação da maconha. Ou seja, segundo os líderes, a marcha não foi por Jesus, mas contra homossexuais e libertários.
Pois é, existem três categorias de manifestações: 1) as mais generosas, que pedem liberdade para todos e sobretudo para os que, mesmo distantes e diferentes de nós, estão sendo oprimidos; 2) aquelas em que as pessoas pedem liberdade para si mesmas; 3) aquelas em que as pessoas pedem repressão para os outros.
O que faz que alguém desfile pelas ruas para pedir não liberdade para si mesmo, mas repressão para os outros?
O entendimento trivial desse comportamento é o seguinte: em regra, para combater um desejo meu e para não admitir que ele é meu, eu passo a reprimi-lo nos outros.
Seria simplório concluir que os que pedem repressão da homossexualidade sejam todos homossexuais enrustidos. A regra indica sobretudo a existência desta dinâmica geral: quanto menos eu me autorizo a desejar, tanto mais fico a fim de reprimir o desejo dos outros. Explico.
Digamos que eu seja namorado, corintiano, filho, pai, paulista, marxista e cristão; cada uma dessas identidades pode enriquecer minha vida, abrindo portas e janelas novas para o mundo, permitindo e autorizando sonhos e atos impensáveis sem ela. Mas é igualmente possível, embora menos alegre, abraçar qualquer identidade não pelo que ela permite, mas por tudo o que ela impede.
Exemplo: sou marido para melhor amar a mulher que escolhi ou sou marido para me impedir de olhar para outras? Não é apenas uma opção retórica: quem vai pelo segundo caminho se define e se realiza na repressão -de seu próprio desejo e, por consequência, do desejo dos outros. Para se forçar a ser monogâmico, ele pedirá apedrejamento para os adúlteros: reprimirá os outros, para ele mesmo se reprimir. No contexto social certo, ele será soldado de um dos vários exércitos de pequenos funcionários da repressão, que, para entristecer sua própria vida, precisam entristecer a nossa. 

terça-feira, 28 de junho de 2011

O sentido da vida (Francisco Daudt)




Tentamos dar um significado diferente à nossa existência do que é ditado pela natureza humana

Do ponto de vista da mãe natureza, já nascemos com o sentido da vida, embutido em nossos softwares cerebrais, completamente pronto. 
Dizem os genes masculinos aos seus portadores: "Procrie com o maior número de mulheres possível, escolhendo as mais belas, dóceis, inteligentes e atenciosas com as crias. 
Dê alguma atenção e ajuda a elas para que suas crias não sejam prejudicadas, mas nada que o impeça de partir para a próxima. 
De preferência, tenha um harém bem cuidado por eunucos (você não vai querer criar filhos de outros, claro) e vá incorporando novas mulheres pelos mesmos critérios.
Para isso, você precisa se preparar: torne-se belo, forte, alto, inteligente, mas, sobretudo, rico e poderoso. Lidere guerras que possam tomar do inimigo suas posses e mulheres, pois isso o enriquecerá e encherá seu harém (um sultão do século 19 teve 840 filhos, um exemplo de homem comandado por seus genes).
Se a política do país o obrigar à monogamia, drible-a sendo um polígamo seriado: você tem dinheiro para sustentar oito ex-esposas e suas crias e você tem tempo para isso, já que os homens não envelhecem. 
Podem seguir acumulando dinheiro e poder e são férteis até a morte".
Dizem os genes femininos às suas portadoras: "Procrie o mais que puder com os homens mais belos, fortes, inteligentes, agressivos, mas, sobretudo, ricos e poderosos. Se possível, case-se com um deles e cuide para que ele a prestigie e dê garantias de provimento para você e suas crias, pelo maior tempo possível.
Se você não conseguir um 'topo de linha', pode se casar com um 'mais ou menos': você pode se oferecer e procriar com o patrão dele, sem que ele saiba, e colher genes poderosos para suas crias, desde que a aparência delas não seja testemunha da sua traição. Prepare-se: comece cedo. Você não tem muito tempo, e juventude é seu maior cacife. 
Procure ser bela e parecer recatada: isso aumenta seu preço de compra e ilude o homem com presumida fidelidade. Não conseguindo ser bela, você pode ser oferecida, mas procure parecer bela, usando todos os expedientes ao seu alcance. 
O mesmo vale para a juventude (velhas nunca foram símbolos sexuais). Malhação, plástica e pintar cabelos servem para isso. Cuide das crias. São raros os homens que se preocupam com isso".
É, a natureza é cínica e cruel para atingir seus objetivos. A ponto de os biólogos dizerem que a galinha é uma máquina inventada pelo ovo para fazer outros ovos. 
Mas nós somos um bicho que pensa, que deseja ética, que filosofa e que, portanto, busca um sentido na vida diferente daquele dos genes. 
Isso resultou em inúmeros "sentidos da vida" criados por nós. Mas meu objetivo era falar do que ninguém fala: da natureza humana, essa força poderosa que carregamos sem saber. 


FRANCISCO DAUDT, psicanalista e médico, é autor de "Onde Foi Que Eu Acertei?", entre outros livros


domingo, 26 de junho de 2011

Os bons tempos (Martha Medeiros)


A vida era melhor antes ou é melhor hoje? Quem faz parte do time dos nostálgicos não pode perder Meia noite em Paris, em que Woody Allen faz não só uma homenagem à mais linda cidade do mundo como também uma reverência aos efervescentes anos 20, quando grandes autores, músicos e pintores foram protagonistas da Era de Ouro do cenário artístico europeu.

Tenho uma tendência a acreditar que tudo era mais intenso antes, tanto o amor, quanto a arte e também a rebeldia. Ao mesmo tempo, sei que houve um antes desse antes, igualmente reverenciado. O personagem Gil (Owen Wilson), homem do século 21, não se conforma com a sociedade vazia e consumista de hoje, da mesma forma que a personagem Adriana (Marion Cotillard), musa dos anos 20, sonha em voltar para a Belle Époque, que teve seu auge em 1890.

Por sua vez, os artistas da Belle Époque não se davam conta da revolução que estavam promovendo naquele final do século 19 e afirmavam que prefeririam ter vivido durante a Renascença: o passado sempre parece mais consistente do que o presente.

Não há dúvida de que só um olhar distanciado pode nos dar a verdadeira dimensão do encanto que há nos dias que correm. Quando comparamos hoje com ontem, suspiramos ao lembrar de uma época em que tudo parecia menos superficial, em que a violência e a poluição não faziam parte das discussões, em que a tecnologia não pasteurizava a arte e não havia a patrulha do politicamente correto. Lembro que, há alguns meses, assisti ao documentário Uma Noite em 67 (que traz imagens do Festival da Canção da TV Record) com o mesmo olhar saudosista do personagem do filme de Allen: 40 anos atrás, parecíamos mais modernos do que somos agora. 
Se até hoje reverenciamos Hemingway, Fitzgerald, Picasso, Gertrude Stein, Cole Porter, Dalí e Buñuel (entre muitos outros retratados no filme), é porque a genialidade deles ultrapassou o tempo, tornando-os eternos. É comum enaltecer a significância de pessoas que inauguraram um novo mundo através de seu olhar criativo e inquieto, mas esses homens e mulheres fascinantes existem e existirão em todas as épocas.

Os atuais anos 2000 não entrarão para a história como “anos dourados” ou “anos rebeldes”, e sim como uma eletrizante era virtual, os anos que revolucionaram os contatos globais, ou seja, de alguma forma atraente os dias de hoje também farão suspirar aqueles que estiverem lá adiante, vivendo uma realidade que ainda nem supomos como será.

A humanidade jamais perderá o hábito de olhar poeticamente para trás, seja a época que for: saudade também é reciclável.
Jornal Zero Hora - 26 junho 2011

Para elas, falta tudo (MIRIAN GOLDENBERG)



Mulheres listam infinitos problemas em seus relacionamentos; que homem é capaz de satisfazê-las?



PERGUNTEI PARA moradores da cidade do Rio de Janeiro: "Quais os principais problemas que você vive ou viveu em seus relacionamentos amorosos?". Homens e mulheres responderam: ciúmes e infidelidade.
Os homens também apontaram a falta de compreensão como um problema de seus relacionamentos.
Já as mulheres responderam: falta de sinceridade, de diálogo, de amor, de carinho, de romance, de respeito, de admiração, de tesão, de desejo, de paciência, de atenção, de companheirismo, de maturidade, de tempo, de dinheiro, de interesse, de reciprocidade, de sensibilidade, de intensidade, de responsabilidade, de generosidade, de compatibilidade, de segurança, de confiança, de pontualidade, de cumplicidade, de igualdade, de individualidade, de liberdade, de organização, de amizade, de alegria, de paixão, de comunicação, de conversa, de intimidade etc. Algumas ainda afirmaram que falta tudo.
Enquanto os homens foram extremamente objetivos e econômicos em suas respostas, algumas mulheres chegaram a anexar e grampear folhas ao questionário para acrescentar mais faltas.
Um engenheiro de 54 anos disse: "É impossível dar a uma mulher tudo o que ela quer e de que precisa. Seria perfeito se cada uma tivesse pelo menos três homens. Um para sexo gostoso, romance, paixão. Outro para carinho, proteção, atenção. E o terceiro para conversar, ver filmes inteligentes, ter discussões filosóficas. Acho que seria bom também ter um quarto homem cheio de grana, para pagar todas as contas, as viagens para o exterior, os restaurantes sofisticados, os presentes caros. E um último que saiba fazer elas darem boas risadas. O problema é que elas querem tudo isso e muito mais em um homem só. Que homem pode dar conta de tudo o que uma mulher quer?"
Muitos perguntam: "O que quer uma mulher?". Seria interessante também perguntar: "O que falta para uma mulher?" e as razões pelas quais ela acredita que pode preencher esse buraco sem fundo com os homens.
Elas repetem exaustivamente: "Falta homem no mercado". Mas em que mercado é possível encontrar o homem que satisfaça uma mulher?

MIRIAN GOLDENBERG, antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "Por Que Homens e Mulheres Traem?"(Ed. BestBolso)

sábado, 25 de junho de 2011

Quem é quem na rede (Folha Equilibrio)

IRENE RUBERTI 
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Aquele colega de faculdade que era tão simpático agora é o chato que registra os detalhes mais insignificantes do seu dia no Facebook.
Quem estava interessado em negócios e começou a seguir o executivo bem-sucedido no Twitter fica sabendo só sobre suas viagens e festas.
E é sempre um constrangimento quando um conhecido resolve expor suas crises pessoais na internet.
Frequentar as redes sociais é uma boa maneira de manter contatos, mas é preciso conter a ansiedade, a raiva e a curiosidade nessas salas sem paredes.
Muitas pessoas se sentem tão à vontade no mundo virtual que acabam revelando aspectos de suas personalidades que surpreendem (ou aborrecem) os demais.
"Todos nós temos aspectos desconhecidos até de nós mesmos, que podem ser positivos, como talentos, ou sombrios, como medos. A internet é um meio propício para experimentar esses lados", diz Rosa Maria Farah, coordenadora do Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática da PUC-SP.
Uma das hipóteses para isso é que, quando se está na internet, perde-se um pouco a noção de tempo e espaço.
O internauta fica em imersão, o que favorece uma condição quase de sonho. "As pessoas se sentem mais capazes de expressar desejos que, na vida presencial, pensariam 10 mil vezes antes de demonstrar", afirma.
Nesse estado alterado de consciência, a censura e a autocrítica ficam rebaixadas.
Um estudo da Universidade da Califórnia (EUA) mostrou que os internautas ficam em estado contínuo de atenção parcial e alerta permanente. Os resultados indicam que o Twitter estimula a liberação do hormônio ocitocina e diminui os níveis do cortisol, associado ao estresse.
Segundo a pesquisa, as conexões on-line são entendidas pelo cérebro como contatos cara a cara.

SEDE DE ATENÇÃO
"Eu vejo dualidade nas pessoas nas redes sociais: o tímido se torna expressivo, e pessoas que no convívio são agradáveis e educadas ficam agressivas", diz Gil Giardelli, professor da pós-graduação da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
Para ele, a vontade de chamar a atenção é uma das explicações.
Um levantamento feito pelo Facebook mostra que usuários que fazem mais críticas são os que recebem mais comentários.
Para o especialista em planejamento estratégico digital Felipe Morais, os internautas se surpreendem com o comportamento alheio porque, na verdade, acabam trazendo para o seu convívio pessoas que não conhecem a fundo. "Eu mesmo tenho mais de 800 contatos no Facebook, mas posso dizer que realmente conheço uns 15."
Já o estudante de direito Guilherme Saraiva, 20, diz que já excluiu da sua lista pessoas "chatas".
A maioria dos usuários de redes sociais prefere o papel de espectador, segundo Morais, que dá aulas de comércio eletrônico no MBA da Faculdade Anhembi-Morumbi.
Um levantamento feito pelo Yahoo Research mostra que apenas 0,05% dos usuários do Twitter conseguem chamar a atenção.

MULHERES
Nas redes sociais, as mulheres se expõem mais do ponto de vista pessoal. Uma pesquisa feita no ano passado pela Oxygen Media e Lightspeed Research mostrou que 21% das mulheres entre 18 e 34 anos que estão nas redes se levantam à noite só para checar o Facebook.
"Por uma questão cultural, as mulheres são mais abertas e comunicativas. É aceitável que elas mostrem mais os sentimentos", diz a professora Rosa Farah.
A agente de negócios Fernanda Nunciato, 23, está no Facebook, MySpace, Orkut, LinkedIn, Twitter e tem um blog. Checar as redes sociais é a última coisa que faz antes de dormir e a primeira quando acorda. "Tomo o café da manhã vendo minhas páginas pelo notebook", diz.
A top model alagoana Bruna Tenório, que mora em Nova York, também adotou a rede social para se comunicar com amigos e parentes.
"O Facebook é bem útil quando preciso ter contato com amigos, acho mais ágil escrever algo no mural deles, a resposta vem mais rápido do que por e-mail", diz.
Ter muitos acessos no blog, um grande número de amigos no Facebook e de seguidores no Twitter virou símbolo de status, popularidade e prestígio.
Mas frequentar as redes sociais significa também conviver com amigos exibidos e gente mal-humorada e ficar da sabendo de detalhes pouco interessantes da rotina dos outros. "É o zoológico humano, só que visto de camarote", afirma Farah.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

SER OU NÃO SER DE NINGUÉM, EIS A QUESTÃO DA GERAÇÃO TRIBALISTA (Monica Montone)



Na hora de cantar nas boates todo mundo enche o peito, levanta os braços, sorri e dispara: “eu sou de ninguém, eu sou de todo mundo e todo mundo é meu também”. No entanto, passado o efeito do uísque com energético e dos beijos descompromissados, os adeptos da geração “tribalista” se dirigem aos consultórios terapêuticos, ou alugam os ouvidos do amigo mais próximo para reclamar de solidão, ausência de interesse das pessoas, descaso e rejeição. A maioria não quer ser de ninguém, mas quer que alguém seja seu.

Beijar na boca é bom? Claro que é! Manter-se sem compromisso, viver rodeado de amigos em baladas animadíssimas é legal? Evidente que sim. Mas por que reclamam depois? Será que os grupos tribalistas se esqueceram da velha lição ensinada no colégio de que “toda ação tem uma reação”? Agir como tribalista tem conseqüências, boas e ruins, como tudo na vida. Não dá, infelizmente, para ficar somente com a cereja do bolo - beijar de língua, namorar e não ser de ninguém. Para comer a cereja é preciso comer o bolo todo e nele, os ingredientes vão além do descompromisso, como: não receber o famoso telefonema no dia seguinte, não saber se está namorando mesmo depois de sair um mês com a mesma pessoa, não se importar se o outro estiver beijando outra, etc, etc, etc.

Embora já saibam namorar, “os tribalistas” não namoram. Ficar também é coisa do passado. A palavra de ordem hoje é “namorix”. A pessoa pode ter um, dois e até três namorix ao mesmo tempo. Dificilmente está apaixonada por seus namorix, mas gosta da companhia do outro e de cultivar a ilusão de que não está sozinho. Nessa nova modalidade de relacionamento, ninguém pode se queixar de nada. Caso uma das partes se ausente durante uma semana, a outra deve fingir que nada aconteceu - afinal, não estão namorando. Aliás, quando foi que se estabeleceu que namoro é sinônimo de cobrança?

A nova geração prega liberdade, mas acaba tendo visões unilaterais. Assim como só deseja “a cereja do bolo tribal”, enxerga apenas o lado negativo das relações mais sólidas. Desconhece a delícia de assistir um filme debaixo das cobertas num dia chuvoso comendo pipoca com chocolate quente, o prazer de dormir junto abraçado, roçando os pés sob as cobertas e a troca de cumplicidade, carinho e amor. Namorar é algo que vai muito além das cobranças. É cuidar do outro e ser cuidado por ele, é telefonar só para dizer boa noite, ter uma boa companhia para ir ao cinema de mãos dadas, transar por amor, ter alguém para fazer e receber cafuné, um colo para chorar, uma mão para enxugar lágrimas, enfim, é ter alguém para amar.

Já dizia o poeta Carlos Drummond de Andrade que “amar se aprende amando” e se seguirmos seu raciocínio esbarraremos na lição que nos foi transmitida nas décadas passadas: relação é sinônimo de desilusão. O número avassalador de divórcios nos últimos tempos só veio confirmar essa tese e aqueles que se divorciaram [pais e mães dos adeptos do tribalismo] vendem, na maioria das vezes, a idéia de que casar é um péssimo negócio e que uma relação sólida é sinônimo de frustrações futuras. Talvez seja por isso que pronunciar a palavra “namoro” traga tanto medo e rejeição. No entanto, vivemos em uma época muito diferente daquela em que nossos pais viveram. Hoje podemos optar com maior liberdade e não somos mais obrigados a “comer sal junto até morrer”. Não se trata de responsabilizar pais e mães, ou atribuir um significado latente aos acontecimentos vividos e assimilados na infância, pois somos responsáveis por nossas escolhas, assim como o que fazemos com as lições que nos chegam. A questão não é causal, mas quem sabe correlacional.

Podemos aprender a amar se relacionando. Trocando experiências, afetos, conflitos e sensações. Não precisamos amar sob os conceitos que nos foram passados. Somos livres para optar. E ser livre não é beijar na boca e não ser de ninguém. É ter coragem, ser autêntico e se permitir viver um sentimento… É arriscar, pagar para ver e correr atrás da felicidade. É doar e receber, é estar disponível de alma, para que as surpresas da vida possam aparecer. É compartilhar momentos de alegria e buscar tirar proveito até mesmo das coisas ruins.

Ser de todo mundo, não ser de ninguém é o mesmo que não ter ninguém também… É não ser livre para trocar e crescer… É estar fadado ao fracasso emocional e à tão temida solidão.


Balada do ser errante (Mônica Montone)


Depois de um tempo você descobre que sua vida não passa de uma farsa
Que tudo o que você fez ou faça
É tão somente para ser bem visto e bem quisto pelos outros

Descobre que sua necessidade de trabalhar 20h por dia
Nada mais é do que um pretexto para se esquivar da própria agonia
Da terrível e temível sensação
De não ser aceito
Não ser perfeito

Descobre que até as roupas que USA
São escolhidas por você como um passaporte
Um cartão de ouro
Capaz de abrir as portas do matadouro social

Descobre que alguns amigos estão a seu lado
Não por admiração ou carinho
Mas porque você se esforça para ser especial
E porque eles podem lucrar algo
Nem que seja um telefonema no natal
Um cartão postal de viagens invejadas

Descobre que as pessoas não o conhecem
E não tem a menor idéia de quem você seja
Mas que no fundo elas não têm culpa disso
Pois foi você quem sempre fingiu ser o que não era

Depois de um tempo
Você descobre que nada disso faz sentido
Mas como está distante de tudo o que realmente é importante
Já não consegue voltar atrás!
Vive seus dias como um ser errante
À espera de um “milagre”:
Casamento, parceiro, dinheiro, emprego, filhos, felicidade

E enquanto a cidade se agita
Sozinho, no ninho
Você grita
E sente as dores de um parto que jamais aconteceu:
O seu!!!

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Figos (Sylvia Plath)

"Vi minha vida se desenrolar diante de mim como uma figueira de um conto que havia lido. Da ponta de cada ramo, um gordo figo roxo acenava e me seduzia com um futuro maravilhoso. Um figo significava um marido e um lar feliz com filhos, outro era uma poetisa famosa, outro uma professora, outro era Esther Greenwood, a surpreendente editora, outro era a Europa, a África e a América do Sul, outro Constantin e Sócrates e Átila, um bando de amantes com nomes esquisitos e profissões originais, outro ainda era uma campeã olímpica, e acima de todos esses figos havia muitos outros que eu não conseguia entender. Vi-me sentada sob essa figueira, morrendo de fome, só porque não conseguia decidir qual figo escolheria. Queria-os todos, e escolher um significava perder o resto. Incapaz de me decidir, os figos começavam a murchar e apodrecer, e um a um caiam no chão a meus pés.”

Os novos dez mandamentos (Jurandir Freire Costa)





1. Amarás o universo, a natureza e a vida sobre todas as coisas. 
(Francisco de Assis).

2. Amarás a ti mesmo com o esquecimento e o mundo com a lembrança.
(Buda, Hannah Arendt)

3. Darás sempre início ao novo, pois os humanos, embora devam morrer, não nascem para morrer, mas para recomeçar. 
(Agostinho de Hipona, Hannah Arendt)

4. Não forjarás ideais contrários à vida e à alegria de viver. 
(Sêneca, Lucrécio, Nietzsche)

5. Não te torturarás com o passado e com o futuro para não sofreres em vão. 
(Buda, Sêneca, Nietzsche)

6. Só desejarás a justa medida das riquezas: primeiro, o necessário; segundo, o suficiente. 
(Sêneca)

7. Não dirás que tua vida é ou foi frustrada; vida alguma jamais se frustra.  
(Sêneca, Nietzsche, Henry James)

8. Não obedecerás sem pensar no que te leva a obedecer. 
(Hannah Arendt, Winnicott)

9. Não dirás que tua verdade é a única, e sim aquela em que mais acreditas.
(William James)

10. Não eternizarás esse decálogo. 
(todas as vítimas da intolerância)


Amor (Jurandir Freire Costa)

Amor [1]

A convite do Mais!, especialistas discutem, de A de amor a Z de zoologia, 23 questões fundamentais para a humanidade a partir de 2001.

Jurandir Freire Costa

Amor é uma palavra com muitos sentidos. Falamos de amor aos pais, aos filhos, a Deus, à pátria, ao próximo, à causa etc. Vamos reter, dessas acepções, a de amor como sinônimo de "amor erótico". Amor erótico ou amor-paixão romântico é um complexo emocional formado por sensações, sentimentos, crenças e julgamentos. Saber o que é amor é poder reconhecer, em si ou nos outros, sensações físicas ou mentais de um tipo específico; atitudes ou disposições para com o objeto amado chamadas de sentimentos; convicções sobre a natureza do objeto amado e do amante e, por fim, julgamentos sobre o valor do amor, isto é, sobre sua bondade, sua beleza ou sua necessária participação na felicidade e no equilíbrio psicológico do indivíduo.
O amor erótico, portanto, não é apenas uma atração sexual acompanhada de sentimentos ternos (enlevo, carinho, preocupação, cuidado, dedicação, devoção etc.) ou violentos (desejos de posse exclusiva, ciúmes, desconfianças, rivalidades etc.). Pensar no amor dessa maneira já faz parte do aprendizado amoroso, pois significa estar convencido de que ele foi sempre o que é hoje, ou seja, uma emoção sem memória e sem história.
O amor romântico, entretanto, é uma emoção recente na história ocidental. Sua gênese é indissociável do enorme enriquecimento da esfera da vida íntima, da repressão à sexualidade e, por fim, da valorização moral da família nuclear e conjugal. Não é surpreendente, assim, que a liberalização da sexualidade, a ruptura com a tradição familiar e a diluição da intimidade na publicidade estejam mudando a face do amor.

Desidealização do amor

Até agora, o amor era um ideal de auto-realização afetiva que acenava para um tipo de felicidade no qual o êxtase da dissolução no outro era compatível com a consciência da individualização do desejo. Esse ideal, é óbvio, não correspondia à prática amorosa efetiva. Consciência de separação e êxtase fusional raramente andam juntos. Mesmo assim, o ideal se mantinha, pelo fato de incitar a realidade a se superar em direção à idealidade.
Atualmente, o amor vem sendo desidealizado e, em consequência, a realidade emocional parece privada daquilo que a empurrava para a auto-superação. Ora, na cultura individualista de nosso tempo, o amor romântico se tornou o reino do maravilhoso, do mágico, da vontade criativa que resistia aos assaltos da razão calculista, instrumental e utilitarista. No amor valia a regra das exceções que a emoção permite. Podíamos ser excessivos sem culpa, generosos sem temor, doadores avarentos, egoístas com boa consciência, rebeldes cientes do valor da transgressão, enfim, podíamos viver afetos ambivalentes e, ainda assim, estar psicologicamente satisfeitos.
Mas, já se disse, o hábito faz o monge. Novos mundos, novos sujeitos, novas emoções. No momento, estamos, pouco a pouco, aceitando que a experiência amorosa é fugaz e seu destino é a provisoriedade. Resta saber, portanto, para onde vai migrar a vontade de ir além do bom senso, o desafio de realizar o impossível ou o ímpeto de vencer a brevidade, em matéria de felicidade emocional. O amor romântico encarnava essas promessas. Em sua ausência, quem ou o que vai se ocupar do sentido da vida de cada dia ou da fantasia da redenção afetiva? Ainda o mesmo amor? Outras formas de amar? Ou outras maneiras de criar um mundo emocional sem a onipresença do romantismo? Difícil de responder; impossível não querer responder; a cada um a tarefa de procurar responder.

[1] Jornal Folha de São Paulo, Caderno Mais!, Milênio para Iniciantes - AMOR, 31 de dezembro de 2000. 

Você já teve vontade de sair do Facebook, e não conseguiu?

Aprenda a desativar sua conta no Facebook sem dó

Rede social usa o lado emocional para evitar a debandada de usuários
Serviço foi abandonado por 100 mil usuários na Inglaterra neste mês; dicas ajudam a pular fora sem remorsos.

HOMA KHALEELI , DO "GUARDIAN"

Bem, isso é estranho. Porém, no mês passado, a rede social que nos permite "editar amigos" foi abandonada por 100 mil pessoas na Inglaterra, de acordo com o site Inside Facebook. O Facebook não confirma os números mas, caso a ideia tenha passado pela sua cabeça, o que é preciso fazer para sair permanentemente da rede?

Não seja sugado
Na parte superior do canto direito da página, selecione a opção Conta e clique em Configurações da conta e, então, em Desativar conta. Mas, independentemente do que for fazer, não olhe o seu feed de notícias.
Sim, seu amigo acabou de voltar de um trabalho como psicólogo infantil em Uganda, mas tenho certeza de que foi uma experiência chata.
Aquele link no YouTube do prefeito de Oslo cantando ao mesmo tempo em que prometia comprar um urso polar não terá graça. Peça aos seus amigos para, em vez disso, lhe enviarem bons convites pelo correio.

Endureça seu coração
O Facebook irá confrontá-lo com uma seleção de fotos de seus amigos rindo sedutoramente. As legendas dirão "Anna sentirá sua falta", "Daniel sentirá sua falta".
Boa tentativa, Facebook. No momento em que olhar mais cuidadosamente, verá que só uma vez esteve com Daniel em uma festa, e que a foto de Anna é uma velha fotografia dos tempos de escola, em que você usava aparelho ortodôntico. Algo que um verdadeiro amigo teria queimado.

Nunca explique
O Facebook insiste em perguntar por que você o rejeita. Não lhe deram carinho o suficiente? (Opção: "Não acho o Facebook útil") Sente-se sufocado? ("Recebo muitas mensagens, convites e pedidos do Facebook").
Ajuste suas configurações de privacidade.

Fuja da tentação
Selecione Optar por não receber e-mails no futuro e confirme o pedido para desativar o seu perfil e remover o seu nome e a sua foto de tudo o que você já compartilhou no Facebook. Ou escolha a opção certeira e exclua permanentemente a sua conta.
Clique em Central de ajuda e, então, pesquise por "excluir minha conta", siga o link e clique em "envie minha solicitação clicando aqui". A conta será excluída imediatamente, mas o Facebook pode levar até quinze dias para tirar suas informações de seu cache.

Mantenha a calma
Ignore a vertigem súbita e a desorientação. E resista à vontade de entrar novamente.

Tradução de FABIANO FLEURY DE SOUZA CAMPOS

quarta-feira, 22 de junho de 2011

O povinho (Martha Medeiros)


Todos que sonham com um Brasil mais íntegro e desenvolvido batem na mesma tecla, a de que devemos investir maciçamente em educação. Bato nessa tecla também, mas às vezes meu desânimo faz com que não acredite nem nisso.

Ao ver a matéria que foi ao ar no último Fantástico sobre médicos e dentistas que embolsam salários sem comparecer aos plantões, deixando centenas de pessoas doentes sem atendimento, pensei: isso lá é problema de falta de educação?

São profissionais que fizeram faculdade, tiveram formação acadêmica. Não passaram a infância soltos pelas ruas. E, mesmo assim, não possuem o menor senso de compromisso e ética. São tão corruptos quanto os políticos que eles xingam em mesas de bar, pensando que são diferentes.

Aí lembro daquela piada que diz que Deus criou o Brasil com uma natureza exuberante, um clima espetacular, um solo fértil, uma abundância de rios, sem risco de terremotos, “mas espera pra ver o povinho que vai ser colocado ali”.

Jamais deixaria de cumprir minhas obrigações, ainda mais se trabalhasse numa área tão essencial quanto a saúde pública, mas não adianta apontar o dedo para os outros e se excluir do problema. O povinho somos todos nós.

Uns sem nenhum caráter, outros com algum caráter (mas fazendo suas picaretagens habituais) e outros com um caráter muito bom, porém molham a mão do policial para evitar uma multa e bebem antes de dirigir, ninguém é perfeito.
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Generalizando, somos um povinho essencialmente egoísta. Pensamos apenas no nosso próprio bem-estar. E ainda por cima vulgares, loucos por dinheiro, todos emergentes querendo mais, mais, mais. O governo rouba de nós através de impostos que não são revertidos em benefícios sociais e a gente desconta passando a perna em quem estiver por perto.

Se alguém encontra uma carteira de dinheiro e devolve para o dono, vai parar na primeira página do jornal como se fosse um peixe com braços, uma anomalia.

Seguimos morrendo no trânsito, a despeito das campanhas de conscientização, pois somos arrogantes, achamos que nada pode dar errado conosco, e se der, a culpa será sempre do outro. Obediência, respeito, espírito coletivo, nada disso pegou no Brasil. Nem vai pegar.

A miséria pode diminuir, o poder aquisitivo aumentar, haver mais emprego, mais crianças na escola, tudo ótimo, mas não soluciona a raiz dos nossos problemas: a índole. Algo que se depura em casa, na infância, no ambiente familiar, mas quem vai regulamentar isso, como controlar as regras internas, quem vai determinar o que é legal e ilegal entre quatro paredes?

Cada lar é um país. Somos milhões de presidentes. Está tudo nas nossas mãos. Um poder transformador, se soubéssemos fazer a coisa direito.



Jornal Zero Hora - 22 junho 2011
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O Clube do Filme (Martha Medeiros)

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Sem energia elétrica e sem internet durante horas a fio. Foi assim que fiquei hoje desde cedo. Quase surtei, porque tinha dois textos para enviar ao jornal Zero Hora e ainda precisava revisá-los, e o prazo de entrega se esgotando. Mas mágica eu não podia fazer, só me restava esperar pela benevolência suprema. Enquanto a energia elétrica não voltava, resolvi pegar um livro - e não consegui soltá-lo mais até chegar na última página.
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Estou falando de O Clube do Filme, do canadense David Gilmour. Pra quem gosta de cinema, é um deleite. Pra quem gosta de cinema e vida pulsante, é um deleite duplo.
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É uma história real do autor. Ele tem um filho chamado Jesse. Pois Jesse, aos 16 anos, não queria nada com a escola. Era um garoto inteligente, mas totalmente desinteressado pelos estudos. Tirava notas péssimas e estava a ponto de levar bomba. Estava na cara que nunca iria se motivar, então o pai tomou uma atitude radical. Propôs ao guri: quer largar o colégio, largue. E não precisa trabalhar. Mas em troca, você vai assistir três filmes por semana comigo. Filmes que eu indicar, e tem que assistir até o final. Ou isso, ou nada feito. O guri topou na hora.
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O próprio pai questionou muitas vezes essa sua atitude. Não estaria pavimentando o fracasso do seu filho? Não estaria sendo irresponsável? Ou simplesmente preguiçoso? Cheio de dúvidas, resolveu ir adiante. E aí, meus caros, a gente começa a entender como há outras formas de se resgatar uma pessoa que está à toa na vida.
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É bárbaro ver pai e filho comentando filmes que a gente já viu, ou que já ouviu falar: dá vontade de correr pra locadora mais próxima. Mas o bacana é ver a importância do tempo compartilhado entre os dois. Cada filme abre o leque para se discutir sobre diversos assuntos: namoradas, drogas, música, dor-de-cotovelo, trabalho, amizades, tudo! As inseguranças do garoto em relação às mulheres é tratado com muita delicadeza e realismo. Geralmente nos deparamos com personagens exalando virilidade e autoconfiança, quando sabemos que adolescentes entre os 16 e 18 anos não sabem direito como lidar com a rejeição e com essas novas garotas donas do mundo. 
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O livro é sobre a dificuldade e a emoção de crescer, de virar um adulto. Agora imagine aprender um pouco da vida com seu pai através dos comentários dele sobre Clint Eastwood, Jack Nicholson, Sharon Stone, Woody Allen, Marlon Brando, Tarantino... Há espaço pra tudo: filmes de terror, suspense, westerns, trash, blockbusters. Uma viagem!
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Recomendo entusiasmada. O livro é engraçado, é terno, é verdadeiro e não tem nada de didático, não é para cinéfilos profissionais: é para todos nós, leigos e apaixonados pela sétima arte. Está sendo lançado pela editora Intrínseca.
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Boa leitura e beijos!

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Meia-Noite em Paris (Marcelo Coelho)




Novo filme de Woody Allen nos faz concluir que não se fazem mais homens como antigamente


GIL PENDER é um boboca de Pasadena, Califórnia, nos Estados Unidos, prestes a casar com uma patricinha autoritária. Os dois estão em Paris. A patricinha faz compras. Ele passeia pelas ruas da cidade; adora Paris quando chove e sonha com a época de ouro da cidade.
A saber, os anos 20, quando escritores e artistas como Ernest Hemingway, Scott Fitzgerald, Pablo Picasso e Salvador Dalí se entregavam ao jazz, ao inconsciente, à bebida e às trepidações da modernidade.
Gil Pender escreve roteiros para Hollywood, ganha um bom dinheiro, mas sua fantasia é ser romancista. Ou melhor, ter sido romancista, em Paris, naquela época.
Magicamente, numa noite de bebedeira, seu desejo se realiza. Uma limusine amarela aparece, e o tímido Gil, um verdadeiro prodígio de falta de assunto, é convidado a entrar. Zelda e Scott Fitzgerald estão no carro. Ele está nos anos 20.
Esse é o ponto de partida do último filme de Woody Allen, "Meia-Noite em Paris", que entrou em cartaz na semana passada.
Como quase sempre, Woody Allen inventa uma história de amor muito delicada, em que muitas possibilidades de desenvolvimento e de desfecho se abrem como um leque para o espectador.
Tudo pode acontecer, desde que dentro de um jogo no qual o resultado, em última análise, seja civilizado e feliz.
Mas "civilizado" e "feliz" não são adjetivos que possam ser aplicados facilmente ao estilo de vida daqueles americanos durante as "années folles" de 1920.
Oficiante máximo do culto ao machismo, à coragem e às touradas, Hemingway hoje pode ser legitimamente qualificado como "figura do século passado". Em Paris, Scott e Zelda Fitzgerald foram colhidos num tsunami de álcool, paranoia e possessividade.
Talvez esteja aí o fundo melancólico, e também crítico, do filme de Woody Allen. Mais uma vez, Gil Pender (Owen Wilson, uma espécie de Robert Redford com baixo teor de sódio e gordura trans) encarna a personagem do sujeitinho hesitante e submisso, às voltas com rivais mais fálicos do que ele.
Ao contrário do que acontece em muitos outros filmes de Woody Allen, Gil Pender não tem nem sequer a qualidade de ser neurótico. É apenas um garotão saudável do século 21, incapaz de se impor sobre as vontades da noiva; mesmo suas discussões com o sogro direitista estão dentro dos parâmetros recomendáveis da associação psiquiátrica americana.
A nostalgia do personagem pela cultura dos anos 20 tem, assim, um lado menos refinado do que se poderia pensar à primeira vista.
É que, parece dizer Woody Allen, não se fazem mais homens (nem neuróticos) como antigamente. Pelo menos, é a conclusão que se tira do encontro entre Gil e Hemingway. Na verdade, o autor de "Adeus às Armas" é menos o próprio Hemingway do que a projeção daquilo que Gil Pender sabe sobre ele.
Cada personalidade famosa do filme aparece com as ideias e as atitudes que o espectador informado esperaria que tivessem.
Desse modo, Hemingway dá conselhos "durões" para o aspirante a romancista.
É preciso perder o medo da morte; só a paixão total por uma mulher pode nos ensinar esse segredo. Escrever é sangrar, viver é entregar-se às balas do inimigo, e matá-lo sem culpa.
Existe um sentimentalismo desse tipo de bravura, assim como existe, hoje em dia, o sentimentalismo das boas causas e da ecologia. Sem um pouco de ironia, estamos sempre condenados a cair num ou noutro tipo de esparrela.
Ironia é justamente o forte de Woody Allen -o que não exclui seus bons sentimentos.
Numa daquelas festas do passado, Gil encontra Luís Buñuel -e resolve meter sua colher na obra futura do cineasta. Diz ter uma excelente ideia para um filme: imagine-se que um grupo de pessoas, numa reunião elegante, repentinamente se torna incapaz de sair da sala. E passará vários dias nessa prisão imaginária e inexplicável.
Quarenta anos antes de filmar "O Anjo Exterminador", Buñuel não entende, ainda, o que há de interessante nessa ideia.
"Meia-Noite em Paris" parece brincar com um tema parecido. Não estamos incapacitados de sair de uma sala por nenhum feitiço. Mas, se o espaço não nos aprisiona, estamos contudo presos ao nosso próprio tempo. Na plenitude da velhice, Woody Allen nos diz que temos só uma vida para viver -a nossa. "Meia-Noite em Paris" ajuda a melhorá-la um pouco. 

terça-feira, 21 de junho de 2011

Antes que elas cresçam (Affonso Romano de Sant'Anna)


Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.

É que as crianças  crescem. Independentes de nós, como árvores, tagarelas e pássaros estabanados, elas crescem sem pedir licença. Crescem como a inflação, independente do governo e da vontade popular. Entre os estupros dos preços, os disparos dos discursos e o assalto das estações, elas crescem com uma estridência alegre e, às vezes, com alardeada arrogância.

Mas não crescem todos os dias, de igual maneira; crescem, de repente.

Um dia se assentam perto de você no terraço e dizem uma frase de tal maturidade que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.

Onde e como andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu? Cadê aquele cheirinho de leite sobre a pele? Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços, amiguinhos e o primeiro uniforme do maternal?

Ela está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil. E você está agora ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apareça. Ali estão muitos pais, ao volante, esperando que saiam esfuziantes sobre patins, cabelos soltos sobre as ancas. Essas são as nossas filhas, em pleno cio, lindas potrancas.

Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão elas, com o uniforme de sua geração: incômodas mochilas da moda nos ombros ou, então com a suéter amarrada na cintura. Está quente, a gente diz que vão estragar a suéter, mas não tem jeito, é o emblema da geração.

Pois ali estamos, depois do primeiro e do segundo casamento, com essa barba de jovem executivo ou intelectual em ascensão, as mães, às vezes, já com a primeira plástica e o casamento recomposto. Essas são as filhas que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias e da ditadura das horas. E elas crescem meio amestradas, vendo como redigimos nossas teses e nos doutoramos nos nossos erros.

Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.

Longe já vai o momento em que o primeiro mênstruo foi recebido como um impacto de rosas vermelhas. Não mais as colheremos nas portas das discotecas e festas, quando surgiam entre gírias e canções. Passou o tempo do balé, da cultura francesa e inglesa. Saíram do banco de trás e passaram  para o volante de suas próprias vidas. Só nos resta   dizer “bonne route, bonne route”, como naquela canção francesa narrando a emoção do pai quando a filha oferece o primeiro jantar no apartamento dela.

Deveríamos ter ido mais  vezes à cama delas ao anoitecer para ouvir  sua alma respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância, e os adolescentes cobertores daquele quarto cheio de colagens, posteres e agendas coloridas de pilô. Não, não as levamos suficientemente ao maldito “drive-in”, ao Tablado para ver “Pluft”, não lhes demos suficientes hambúrgueres e cocas, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas merecidas.

Elas cresceram sem que esgotássemos nelas todo o nosso afeto. 

No princípio  subiam a serra ou iam à casa de  praia entre embrulhos, comidas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscinas e amiguinhas. Sim, havia as brigas dentro do carro, a disputa pela janela, os pedidos de sorvetes e sanduíches infantis. Depois chegou a idade em que subir para a casa de campo  com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível deixar a turma aqui na praia e os primeiros namorados. Esse exílio  dos pais, esse divórcio dos filhos, vai durar sete anos bíblicos. Agora é hora de os pais na montanha  terem a solidão que queriam, mas, de repente, exalarem contagiosa saudade daquelas pestes.

O jeito é esperar. Qualquer hora podem nos dar netos. O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco. Por isso, os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável afeição. Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto.

Por isso, é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que elas cresçam.


Resmungo teológico (Ferreira Gullar) )



Relendo meu próprio artigo, perguntei-me: o que se ganha em negar a existência da alma?


EMBORA DEFIRA DO biólogo Richard Dawkins que, nesta semana, na Flip, alardeou seu ateísmo, eu, em meio aos meus costumeiros resmungos, pus em dúvida aqui a existência da alma, chegando mesmo a lembrar que, em certa época remota, os gregos a designavam pela palavra "pneuma", que significa ar, sopro, ou seja, a respiração de quem está vivo. Nada mais que isso. Fiz essa afirmação, meses atrás, a propósito da excomunhão dos médicos que praticaram aborto numa menina, estuprada pelo padrasto. Como, para a Igreja Católica, a alma já está no momento da fecundação, praticar o aborto é matar um ser humano, dono de uma alma divina.
Afirmei, por isso, que, para ela, o que importa não é a vida e, sim, a alma, razão por que, durante a Inquisição, condenou à morte, na fogueira, milhares de pessoas, para salvar-lhes a alma.
Tem lógica mas, relendo o meu próprio artigo, perguntei-me: o que se ganha em negar a existência da alma? Pergunta essa que, feita por mim, pode surpreender o leitor.
É que me lembrei de que não foi a Igreja Católica quem inventou a alma. Os gregos, muito antes de Sócrates e talvez mesmo de Pitágoras, já a tinham inventado, sem falar nos egípcios, que acreditavam numa vida post mortem, mas com o corpo também e, por isso, faziam-se embalsamar. Os cultos órficos da Grécia pré-helênica fundavam-se na crença da transmigração das almas que, no além, poderiam ser premiadas ou punidas pelo que fizeram aqui em baixo. Inscrições descobertas em sepulturas daquela época contêm ensinamentos de como a alma do morto deveria se comportar para merecer a salvação.
Num desses textos, lê-se o seguinte: "Tu acharás, à esquerda da casa de Hades, uma fonte e, a seu lado, um cipreste branco. Dessa fonte, não te aproximarás, mas te depararás com uma outra, perto do lago da Memória. Diz: "eu sou filho da terra e do céu estrelado'". É que para eles, o corpo vinha da terra e a alma, do céu.
Essa visão do homem como ente, ao mesmo tempo, terrestre e celeste, irá ganhar consistência teórica na filosofia de Sócrates e, sobretudo, na de Platão. Pode-se supor que a admirável bravura e despreendimento daquele em face da morte, deve-se, de fato, à sua convicção de que, depois dela, havia outra vida e melhor.
Se Platão herda de Sócrates essa convicção, em sua teoria a existência da alma está essencialmente ligada à possibilidade do verdadeiro conhecimento. Para ele, o corpo era um fator que impedia de se conhecer a verdade, não facultada aos sentidos. Pelo contrário, na sua concepção, os sentidos nos iludem, induzindo-nos a uma visão imperfeita da realidade. Donde a conclusão de que, só depois que nos livramos do corpo, podemos apreender a verdadeira realidade da existência, a que apenas a nossa alma teria acesso.
Essa concepção platônica da alma influiu na visão do cristianismo e, consequentemente, na teologia da Igreja Católica.
Mas, até onde me é dado perceber, elas não são idênticas em todos os pontos, especialmente em um: enquanto na teoria platônica o que há de reprovável no corpo é sua incapacidade de apreender o verdadeiro conhecimento, na teologia católica, essa incapacidade se converte em pecado, isto é, o corpo, sujeito a desejos condenáveis, contamina a alma de pecados, que podem levá-la à perdição eterna. Nisto, a concepção católica parece mais próxima do orfismo que do platonismo, mais filosófico do que teológico.
Mas meu propósito aqui não é discutir essas questões e, sim, afirmar que, na dúvida de que a alma exista ou não, melhor será acreditar em sua existência do que negá-la, já que não há como provar uma coisa nem outra.
Negamos a alma porque somos herdeiros do progresso econômico e científico, que nos revelou a lógica material da natureza e da vida, e que é irretorquível. Não obstante, a própria ciência diz que não é capaz de responder a questões como esta: por que existe algo em vez de nada? Assim, o enigma da existência continua sem resposta.
Não fui eu mesmo quem disse que o homem inventou Deus para que este o criasse? Ele o inventou porque não quer ser igual a um simples animal, nascido da natureza, condenado a acabar para sempre. Se sou filho de Deus, tenho uma alma divina que me torna imortal. E é isso, essa capacidade de inventar-se, que nos distingue dos outros animais. Filho de Deus mesmo ou inventado por si mesmo, a verdade é que o homem necessita da transcendência e aspira à eternidade. Por isso, precisa da alma, uma vez que o corpo, após a morte, virá pó.
Pessoal, este papo está brabo demais! Vamos mudar de assunto?