quinta-feira, 23 de junho de 2011

Amor (Jurandir Freire Costa)

Amor [1]

A convite do Mais!, especialistas discutem, de A de amor a Z de zoologia, 23 questões fundamentais para a humanidade a partir de 2001.

Jurandir Freire Costa

Amor é uma palavra com muitos sentidos. Falamos de amor aos pais, aos filhos, a Deus, à pátria, ao próximo, à causa etc. Vamos reter, dessas acepções, a de amor como sinônimo de "amor erótico". Amor erótico ou amor-paixão romântico é um complexo emocional formado por sensações, sentimentos, crenças e julgamentos. Saber o que é amor é poder reconhecer, em si ou nos outros, sensações físicas ou mentais de um tipo específico; atitudes ou disposições para com o objeto amado chamadas de sentimentos; convicções sobre a natureza do objeto amado e do amante e, por fim, julgamentos sobre o valor do amor, isto é, sobre sua bondade, sua beleza ou sua necessária participação na felicidade e no equilíbrio psicológico do indivíduo.
O amor erótico, portanto, não é apenas uma atração sexual acompanhada de sentimentos ternos (enlevo, carinho, preocupação, cuidado, dedicação, devoção etc.) ou violentos (desejos de posse exclusiva, ciúmes, desconfianças, rivalidades etc.). Pensar no amor dessa maneira já faz parte do aprendizado amoroso, pois significa estar convencido de que ele foi sempre o que é hoje, ou seja, uma emoção sem memória e sem história.
O amor romântico, entretanto, é uma emoção recente na história ocidental. Sua gênese é indissociável do enorme enriquecimento da esfera da vida íntima, da repressão à sexualidade e, por fim, da valorização moral da família nuclear e conjugal. Não é surpreendente, assim, que a liberalização da sexualidade, a ruptura com a tradição familiar e a diluição da intimidade na publicidade estejam mudando a face do amor.

Desidealização do amor

Até agora, o amor era um ideal de auto-realização afetiva que acenava para um tipo de felicidade no qual o êxtase da dissolução no outro era compatível com a consciência da individualização do desejo. Esse ideal, é óbvio, não correspondia à prática amorosa efetiva. Consciência de separação e êxtase fusional raramente andam juntos. Mesmo assim, o ideal se mantinha, pelo fato de incitar a realidade a se superar em direção à idealidade.
Atualmente, o amor vem sendo desidealizado e, em consequência, a realidade emocional parece privada daquilo que a empurrava para a auto-superação. Ora, na cultura individualista de nosso tempo, o amor romântico se tornou o reino do maravilhoso, do mágico, da vontade criativa que resistia aos assaltos da razão calculista, instrumental e utilitarista. No amor valia a regra das exceções que a emoção permite. Podíamos ser excessivos sem culpa, generosos sem temor, doadores avarentos, egoístas com boa consciência, rebeldes cientes do valor da transgressão, enfim, podíamos viver afetos ambivalentes e, ainda assim, estar psicologicamente satisfeitos.
Mas, já se disse, o hábito faz o monge. Novos mundos, novos sujeitos, novas emoções. No momento, estamos, pouco a pouco, aceitando que a experiência amorosa é fugaz e seu destino é a provisoriedade. Resta saber, portanto, para onde vai migrar a vontade de ir além do bom senso, o desafio de realizar o impossível ou o ímpeto de vencer a brevidade, em matéria de felicidade emocional. O amor romântico encarnava essas promessas. Em sua ausência, quem ou o que vai se ocupar do sentido da vida de cada dia ou da fantasia da redenção afetiva? Ainda o mesmo amor? Outras formas de amar? Ou outras maneiras de criar um mundo emocional sem a onipresença do romantismo? Difícil de responder; impossível não querer responder; a cada um a tarefa de procurar responder.

[1] Jornal Folha de São Paulo, Caderno Mais!, Milênio para Iniciantes - AMOR, 31 de dezembro de 2000. 

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