segunda-feira, 13 de abril de 2015

Um visitante inoportuno (Osvando Faria)

Moramos em cidades diferentes e há muito tempo não nos víamos. Naquela noite fui visitá-la pela primeira vez em sua nova casa, recém construída. É uma casa encantadora! A harmoniosa combinação dos ambientes  e o gosto refinado da decoração tornavam o ambiente vivo e aconchegante. Ouvia com aguçado interesse os detalhes da construção, desde o projeto há muito tempo idealizado até as minúcias acerca do material utilizado e do mobiliário. Os objetos pessoais, as peças em madeira, o tijolo aparente o paisagismo exuberante, as flores frescas nos vasos, davam um toque pessoal e revelavam a criatividade e o refinamento da moradora. Mas sobretudo eu desfrutava com deleite da sua sempre agradável companhia. Temos uma grande afinidade e nossa conversa parece ser interminável. Eu queria sorver com intensidade cada momento do nosso  encontro já que voltaria para São Paulo na manhã seguinte, sem previsão de quando nos veríamos novamente. Como desejei naquela noite, ter o poder de parar o relógio! Estava vivendo um momento feliz que não queria que acabasse.

Mas o tempo é inexorável. A noite avançava e a fome se fez presente. Resolvemos então encomendar uma massa em um restaurante tradicional da cidade, que comeríamos acompanhada de um Chardonnay  que já havíamos aberto. Bebíamos, conversávamos e esperávamos...Quando o toque do interfone avisou que o pedido chegara, senti minha boca salivar antevendo o prazer de desfrutar de uma boa comida na melhor companhia. Mas, infelizmente, o acaso também se fez presente e como nas estórias de Guimarães Rosa, desencadeou o anti-clímax. Para nossa surpresa, o entregador da comida não era um motoboy, senão ninguém menos que o proprietário do restaurante, velho conhecido da minha anfitriã. A partir desse momento, começou o meu martírio. Aconteceu que o desavisado parecia não ter mais nada que fazer naquela noite, e claro, interessou-se pela casa, o que ensejou uma visita guiada com explicação pormenorizada dos ambientes. A conversa se prolongava, a comida esfriava e minha aflição aumentava. Sentia-me usurpado em meu desejo de privacidade. O ciúme tomava conta do meu peito. Aquele encontro era só nosso e eu não admitia dividi-lo com ninguém. Os minutos voavam, roubando-nos preciosos  momentos tão avidamente por mim desejados.
Suspirei aliviado quando o infeliz dirigiu-se para a porta de saída, mas para meu desespero, antes de entrar no carro, resolveu discorrer demoradamente sobre como estava reorganizando sua vida familiar após a morte da esposa. Minha agonia então transformou-se em ódio daquele sujeito inoportuno que estava roubando a atenção que até então só a mim era destinada. Egoísmo da minha parte? Pode ser, mas naquele momento permitia-me este sentimento e dele não me arrependo.
Quando finalmente ele se foi, a raiva e a frustração ficaram comigo. Ele havia quebrado a magia do momento e eu não consegui voltar ao estado de encantamento anterior. Já era tarde e logo eu teria que me despedir também, sem saber quando seria possível um novo encontro.