sábado, 9 de julho de 2011

Flip 2011 Como amigos no balcão da padaria

Ignácio de Loyola Brandão e Contardo Calligaris conseguiram algo incomum, mas sempre bem-vindo numa Flip: conversar sobre o palco, diante de centenas de pessoas, como se estivessem no balcão da padaria da esquina. O público gosta disso. E eles, palestrantes experientes, sabem como fazer a coisa. No caso da Mesa 8, no final da tarde de hoje, o trabalho foi ainda mais facilitado pelo mediador Cadão Volpato, acostumado a criar essa atmosfera light, de bate-bola cultural, como apresentador do programa Metrópolis na TV Cultura.

Calligaris e Loyola concordaram em dois pontos importantes ao percorrer, com humor e descompromisso, diversos assuntos ligados à vida, à literatura e à política. O primeiro deles dizia respeito ao escritor Antonio Tabucchi, inicialmente escalado para esse evento, no lugar de Calligaris, mas que, como se sabe, cancelou de última hora sua vinda à Flip em protesto contra a decisão brasileira de não extraditar Cesare Battisti, como desejava o governo italiano. Sem entrar em detalhes, ambos manifestaram seu apoio a Tabucchi, afirmando que se estivessem na posição dele teriam feito a mesma coisa. Foram aplaudidos com moderação.

A referência a Tabucchi, por conta desse episódio, serviu de gancho para Loyola lembrar os meses passados junto a ele em Pisa, na Itália, na década de 1970. Ele acompanhava nessa época a tradução para o italiano de seu Zero, então proibido pela censura brasileira, e cuja estrutura multifacetada, integrando diferentes planos narrativos, baseou-se no revolucionário Oito e Meio, de Federico Fellini. Perguntado por Volpato, em tom de brincadeira, se era verdade que teria visto esse filme “53 vezes”, Loyola respondeu: “Não, foram 108”.

Em diversas passagens dessa saborosa conversa de botequim, era difícil decidir se os dois convidados falavam a sério ou improvisavam gabolices para divertir a plateia. E isto, aliás, vem ao encontro do segundo ponto de concordância entre eles: fato e ficção se misturam o tempo todo não apenas nos romances, mas também no que costumamos chamar de vida real. Nossas memórias pessoais, segundo a experiência de Calligaris como psicanalista, estão impregnadas de materiais fictícios que, por serem inverificáveis, na maior parte das vezes, tomamos como lembranças exatas do que vivemos ou presenciamos. Sobretudo no terreno sentimental, para ele, esse jogo de luz e sombra é a regra, não a exceção. “Os encontros amorosos são bailes de máscaras”, compara Calligaris. “E ninguém as tira. Quando as máscaras caem, é por acidente.”

Apesar dessas coincidências de opinião, e do clima de sintonia cortês que conseguiram estabelecer no palco, Calligaris e Loyola deixaram bem claro as diferenças entre eles no terreno da crônica, que ambos escrevem regularmente para os dois maiores jornais paulistanos. “Como cronista, tento escrever textos que estejam mais perto da ficção do que do ensaio”, explicou o psicanalista, com seu sotaque milanês quase imperceptível. Loyola, por sua vez, tem olhos voltados sobretudo para a cidade de São Paulo, na tentativa de capturar personagens anônimos e situações cotidianas. Ambos garantem que, no exercício da crônica, raras vezes escreveram textos negativos a respeito de outras pessoas e de suas obras. Mas Loyola, sempre em tom de blague, reconheceu ter aberto uma exceção para Meia-noite em Paris. Sentiu “ódio” por Woody Allen ter feito o filme que ele sempre quisera fazer. Isso desde quando, na década de 1960, começou no jornalismo como crítico de cinema em sua sempre lembrada Araraquara.

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