domingo, 10 de julho de 2011

Flip 2011 - Enriquecendo a literatura: Nicolelis x Pondé

Miguel Nicolelis por Walter Craveiro

Depois de uma sequência de mesas discutindo literatura, uma mesa composta por um filósofo e por um neurocientista não parecia ser fácil de encarar. Mas o clima de descontração permeou a conversa entre Luiz Felipe Pondé e Miguel Nicolelis na mesa 4 da Flip, “O humano além do humano.”
Boa parte da leveza deveu-se à mediadora Laura Greenhalgh, que deu o tom da conversa ao apresentar cada um dos autores. Vem dos campos totalmente diferentes, disse, mas “pelo menos em matéria de futebol eles combinam,” já que os dois são palmeirenses.
Foi com esta descontração que os dois professores conduziram a mesa. Nicolelis misturou sons e imagens à sua fala, enquanto explicava a um público leigo conceitos de neurociência. “Esse é o barulho de uma ‘tempestade cerebral’. Meu filho costuma dizer que é o mesmo som de fazer pipoca ouvindo uma radio AM mal sintonizada.” As metáforas do cientista e a linguagem animada ganharam o interesse da plateia – embora algumas vezes, empolgado, Nicolelis enveredou por conceitos científicos complexos para um público não iniciado.
Mesmo assim, o cientista ganhou o público quando, em sua fala final, se engasgou emocionado ao relatar um sonho. Conhecido por seus trabalhos com ondas cerebrais de primatas, lidas e interpretadas por um robô que se move conforme o pensamento do macaco, Nicolelis revelou seu sonho: de que na abertura da Copa de 2014, um garoto brasileiro tetraplégico, usando um exoesqueleto robótico (resultado do trabalho do neurocientista e de vários outros pesquisadores no mundo), entrasse em campo junto ao time brasileiro e desse “o primeiro gol da ciência em direção à humanidade.” Foi difícil não se emocionar junto ao cientista, interrompido por uma salva de palmas da platéia.
Pondé teve a difícil tarefa de manter a atenção do público, cativado pelas palavras finais de Nicolelis. Misturando um humor ácido com muitas referências de filosofia e cinema, foi aos poucos conquistando a plateia, que no fim já davam boas risadas. O eixo principal de sua fala foi a ligação entre ciência e religião: “As duas tem muito mais em comum do que pode parecer.”
Citando Platão, aproximou a ideia de utopia na filosofia e na ciência. “Utopia é um lugar que poderemos criar. Uma imagem ou algo simbólico. Esta ideia sempre foi profunda nos homens.” E desmistifica também a o conceito de eugenia, ligado à Alemanha nazista. “A ciência – e antes de tudo, a filosofia – moderna se baseia em conceitos eugênicos. Todos nós somos eugenistas de uma forma ou de outra. Todos nós queremos um humano que sofra menos, que consiga coisas que antes não conhecia.” E assim ele tenta também explicar, ao longo de sua fala, o tema da mesa e suas várias significações. Lança um olhar crítico sobre a ideia de um homem além do homem.
“Eu tenho um certo medo desse além do humano. Não por uma questão religiosa. Do ponto de vista filosófico, sou ateu. A ideia de um mundo criado por deus me parece tão abstrata quanto a ideia de que estamos aqui e sabemos exatamente o que estamos fazendo,” explica. Se eu confio demais no cérebro e ele funciona baseado em crenças e percepções humanas, então tenho que duvidar do que o cérebro faz e cria.”
Em meio a provocações mútuas, além daquelas da mediadora e das perguntas do público o filósofo e o cientista enriqueceram as discussões da Festa Literária. Afinal, a literatura também se alimenta nas fronteiras da ciência e da filosofia par criar narrativas humanas, ficcionais ou não.

Um comentário:

  1. que sorte de quem conseguiu assistir este encontro, deve ter sido muito especial. Vamos torcer pro Nicolelis realizar seu sonho!

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