sábado, 23 de novembro de 2013

O sabor da vida (Martha Medeiros)


  • Dois anos atrás tive o prazer de ser entrevistada pelo querido chef Claude Troisgros, e lembro de que o encontro foi divertido e ao mesmo tempo inusitado para mim, já que minha relação com as caçarolas sempre foi de intimidade zero. Pois, meses atrás, recebi o convite da minha amiga Neka Menna Barreto para uma entrevista para a tevê que também ocorreria durante o preparativo de alguns quitutes, e lá fui eu de novo.

    Quanto mais me aproximo desse universo que desconheço, mais me dou conta do quanto perco por não saber cozinhar. Conversando com a Neka, percebi a filosofia envolvida no processo – ao menos no processo dela, que usa sua colher de pau como uma espécie de varinha de condão, transformando em mágica cada receita aparentemente prosaica.

    Seu talento está não apenas na criteriosa escolha dos ingredientes, mas na forma como explora todas as sensações envolvidas. Ela perfuma a cozinha com infusões de hortelã, “acorda” as sementes, encontra conexões entre rusticidade e sabor – de tudo Neka extrai um conceito. Cada alimento traz em si um benefício para a memória, para o humor, para a concentração. Ralar uma noz-moscada nos ensina a reconhecer limites. Triturar um bastão de canela fortalece os bíceps. Dissecar uma vagem seca de baunilha desperta a sensualidade – se você tem acesso à Neka, peça para ela contar os efeitos de esconder um galhinho de baunilha dentro do sutiã. Segundo ela, a mulher para instantaneamente de falar sobre si mesma e, silenciosa, passa a ser quem é. Viajandona? Pode ser, mas descobri com ela que o tempero que faz viajar é outro.

    Para quem só se interessa pelo concreto da vida, nada disso faz o menor sentido, porém é justamente sobre sentidos que se está falando aqui. Do amor que há em manusear tâmaras picadas, da energia que as ervas emanam, da estupidez de se consumir um prato megacalórico e depois passar uma tarde inteira digerindo-o. “Gastamos muito tempo com digestão, quando poderíamos estar caminhando mais, dançando, flanando, vivendo até os 100 anos com leveza”.

    Neka é uma alquimista de personalidade única. Tudo nela é inspirador, desde seus turbantes coloridos até seus pontos de vista. “Estamos nos acostumando com soluções instantâneas, enviando e-mails que chegam a Tóquio em um segundo, comprando comida pronta. Ninguém mais prepara, ninguém mais espera. Se vejo alguém muito agitado, correndo atrás do relógio, recomendo: cozinhe e recupere a noção do tempo real”.

    Não bastasse a delícia de suas criações gastronômicas, Nekinha também é craque em dar receitas para nossas almas desnutridas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário