sábado, 9 de março de 2013

O que é ser mulher? (Martha Medeiros)



Sempre que chega essa época do ano, prometo a mim mesma: minhas próximas férias serão tiradas em março. Vou alugar um chalé em Ushuaia e só volto quando pararem de falar no Dia da Mulher. Sei que a data desperta reflexões, debates e tudo mais, porém me dou o direito de tentar evitar a pergunta que tantos pedem que a gente responda: “O que é ser mulher?”.

Basicamente, ser mulher é ter nascido com os cromossomos XX. Mas isso responde a questão? Responde, só que de um modo desaforado. Espera-se que colaboremos: “Ser mulher é ser mãe, esposa, profissional... “ Alguém ainda aguenta essa churumela?

Se é para refletir sobre o assunto, sejamos francos: ninguém mais sabe direito o que é ser mulher. Sofremos uma descaracterização. Necessária, porém inquietante. Entramos no mercado de trabalho, passamos a ter liberdade sexual e deixamos para ter filhos mais tarde, se calhar. Somos presidentes, diretoras, empresárias, ministras. Sustentamos a casa. Escolhemos nossos carros. Viajamos a serviço. Saímos à noite com as amigas. Praticamos boxe. O que é ser mulher, nos perguntam. Pois hoje, ser mulher é praticamente ser um homem.

Nossa masculinização é um fato. Ok, nenhuma mulher arredará o pé da zona de conforto que conquistou. Nossa independência é um ganho real para nós, para nossa família e para a sociedade. Saímos da sombra e passamos a existir de forma plena. E o mundo se tornou mais heterogêneo e democrático, mais dinâmico e afetivo, em suma: muito mais interessante. Mas não nos deram nada de mão beijada, ganhamos posições no grito, falando grosso. E agora está difícil reconhecer nossa própria voz.

“Sou mais macho que muito homem” não é apenas o verso de uma música de Rita Lee, é o pensamento recorrente de cérebros femininos. Alguém ainda conhece uma mulher reprimida, omissa, sem opinião, sem pulso? Foram extintas e deram lugar às eloquentes.

Nada de errado, repito. Acumulamos uma energia bivolt e isso tem nos trazido inúmeros benefícios – deixamos de ser um simples acessório, nos integralizamos. Mas essa nova mulher ainda se permitirá um segundinho de “cuida de mim”? Se os homens estão se permitindo ser frágeis, por que raios não nos permitimos também, nós que temos os royalties dessa condição?

É no amor que a mulher recupera sua feminilidade. É na relação a dois. É na autorização que dá a si mesma de se sentir cansada e de permitir que o outro tome decisões e a surpreenda. É no amor que voltamos a confiar cegamente, a baixar a guarda e a deixar que nos seduzam – sem sentirmo-nos ofendidas. Muitas mulheres estão desistindo de investir num relacionamento por se julgarem incapazes de jogar o jogo ancestral: eu, provedor; você, minha fêmea. Os homens sabem que não iremos mais nos contentar em receber mesada e ficar em casa guardando a ninhada, mas, na intimidade, que tal deixarmos a testosterona e o estrogênio interpretarem seus papeis convencionais?

Um amor sem tanta racionalidade, sem demarcação de território, sem guerra pelo poder. Amolecer de vez em quando, e com gosto. É onde ainda podemos ressuscitar a mulher que fomos, sem prejuízo a mulher que somos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário