domingo, 27 de maio de 2012

Martha Medeiros - O importante é ter charme



Na próxima quinta-feira é o Dia Mundial sem Tabaco, data impensável nos anos 70, quando fumar ainda era uma atitude classuda. Não por acaso, uma das marcas mais vendidas se chamava Charm, que contava com garotas-propaganda do quilate de Danuza Leão, Adalgisa Colombo e Ilka Soares, todas mulheres de personalidade, reconhecidas por sua beleza e sofisticação. Mesmo quem não fumava tinha vontade.

Em 20 anos, todo esse glamour virou fumaça. Acender um cigarro passou a ser uma atitude deselegante, que não agrega nada de bom à imagem daquele que dá suas baforadas. Outro dia, estava parada dentro do meu carro, aguardando o sinal abrir, quando uma senhora chique, com os cabelos brancos bem cortados, de porte monárquico, começou a atravessar pela faixa. Minha admiração murchou quando reparei que a rainha estava dando suas últimas e aflitivas tragadas antes de entrar em um shopping. Fumar caminhando na rua já é feio, e para completar a chinelagem, a madame jogou a bituca no chão. Muita gente já não joga lixo no chão (amém), mas parece que a regra não vale para o cigarro. Largam em qualquer lugar, pisam em cima e vão em frente.

A propaganda tabagista saiu do ar, e o charme também — não o cigarro, mas o atributo. Ninguém mais acha importante ter charme. Lamentável.

Não jogar lixo na rua é uma questão de educação, sei disso, mas ser educado também é uma atitude charmosa. Ainda mais nos dias atuais, em que a grosseria impera, as pessoas são folgadas, os gestos são espalhafatosos, o tom de voz é alto, as cantadas são explícitas, a megalomania é indisfarçada, a falta de cerimônia é geral. Não há mais espaço para a sutileza, para o pedido de licença, para as atitudes suaves, para a discrição. Adeus à vida em slow, a uma presença insinuada e sensual. Agora tudo acontece sob os holofotes, é escancarado, gritado, a atenção é requerida à força.

A distorção de valores chegou a tal pontoque pessoas discretas são consideradas arrogantes, os modestos são vistos como dissimulados e os que não se rendem a modismos são taxados de esnobes. Ser autêntico — requisito número 1 para se ter charme — virou ofensa pessoal. Ou a criatura faz parte do rebanho, ou é um metido a besta.


A cena clássica da mulher fatal segurando uma piteira e a do homem viril com o toco de cigarro no canto da boca ainda povoam o imaginário dos nostálgicos, mas o importanteé ter charme, hoje, sem precisar de acessórios. O modo de mexer no cabelo, uma fala pausada, um olhar direto, um sorriso quase envergonhado, a segurança de não precisar se valer de estereótipos para agradar — charme. Bom gosto nas escolhas, saber a hora de sair de cena, fazer as coisas do seu jeito — charme. Estar confortável no corpo que habita, ter as próprias opiniões, alimentar sua inteligência com livros e pessoas igualmente inteligentes — charme. Não se mumificar, não ser tão inflexível, não virar uma caricatura de si mesmo — charme. Que o mantenhamos, sem precisar voltar a fumar.

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