Quando minha filha Luciana convidou-me para uma viagem ao Deserto de Atacama no Chile, torci o nariz porque não era um roteiro que estava nos meus planos, mas, alguém em sã consciência consegue recusar um convite de um filho? Pois bem, embarcamos para uma aventura de 11 dias no deserto mais árido do mundo e também na Bolívia, para conhecer o Salar de Uyuni, a maior planície salgada do planeta com uma área de 12.000 km quadrados, situada a uma altitude de 3.650 metros. Pois não é que o passeio revelou-se uma fantástica surpresa? Não imaginava o deserto assim tão surpreendente e cheio de contrastes! Os oásis contrastando com a aridez do solo, os picos nevados das montanhas, o extremo frio nos geiseres, o calor abrasivo dos salares, as exuberantes lagoas altiplánicas e o magestoso vulcão Licancabur, enfim, paisagens indescritíveis! O Salar de Uyni então é magnífico. Estar no meio daquela imensidão branca, de onde não se enxerga o horizonte, e o céu se confunde com o chão pelo reflexo dos cristais de sal molhado, fez-me lembrar dos versos de Fernando Pessoa que diz: "Deus ao mar o perigo e o abismo deu, mas nele que espelhou o céu".
Havia pensado em fazer um relato da viagem para postar aqui no blog, quando me deparei com a crônica abaixo, da minha escritora favorita, que coincidentemente esteve alí no mesmo período, que desceve o deserto de maneira muitíssimo mais interessante do que certamente eu o faria. Só lamento não haver cruzado com ela nas ruas ou em um dos acolhedores restaurantes de San Pedro de Atacama.
Salar de Uyuni |
Salar de Uyuni |
Pinceladas sobre o deserto (Martha Medeiros)
De uns tempos para cá, tenho viajado por alguns roteiros, digamos, mais exóticos. Depois de Machu Picchu, foi a vez de conhecer o deserto do Atacama, no Chile, de onde regressei semana passada.
Costumo me informar bastante sobre os lugares que vou visitar. Acredito que conhecimento prévio adiciona, não subtrai. Claro, corre-se o risco de a expectativa não se confirmar, mas o Atacama entrega o que promete. Todas as imagens triunfantes que vemos nas revistas e livros são exatamente daquela forma, daquela cor – só o impacto é que é maior ao vivo.
Aterrissar em Calama, vilarejo instalado no meio do deserto e cercado pela cordilheira dos Andes, é como imagino a chegada à Lua. Dali, inicia-se o percurso de cem quilômetros que leva do aeroporto a San Pedro de Atacama, quartel-general de onde saem todos os passeios pela região.
Instantaneamente, muda-se o olhar, muda-se de pele. A terra penetra no corpo e a aridez consolida nosso primitivismo como se fosse um carimbo de entrada. Muita água, muita manteiga de cacau, hidratantes a toda hora: paliativos. Já se está impregnado de secura e arrebatamento. Tenho tomado dois banhos por dia e o Atacama não sai de mim.
Faltará espaço, aqui, para contar detalhes sobre o hotel (um oásis de frente para o vulcão Licancabur) e sobre os passeios – trekking em meio a cáctus gigantes, as imensas lagunas altiplânicas, os cristais de sal, as revoadas dos flamingos, as cavalgadas e tours de bicicleta por uma vastidão que já não se vê neste mundo apertado entre prédios, e o Valle de la Luna, que permite, em meio aos desfiladeiros, vislumbrar um céu de um azul que eu não sabia que existia.
De tudo isso, o que cabe destacar agora é a feliz constatação de que o turismo profissional pode coexistir em perfeita harmonia com a natureza, sem profaná-la. No deserto, o meio ambiente é tão mais soberano que o homem, que ninguém se atreve a violar o aspecto selvagem do local. Só a natureza se exibe, só ela se impõe, nós somos humilde plateia.
A anatomia singular das montanhas, a luminosidade mutável, o entardecer aristocrático, o silêncio como pano de fundo, a profusão de estrelas no céu, o contraste entre a dureza mineral do solo e a leveza do ambiente, tudo nos condiciona a imaginar que estamos num museu impressionista a céu aberto. É uma viagem pictórica, antes de tudo.
Para geólogos, fotógrafos, pintores, atletas e aventureiros, é destino obrigatório. Para os entediados com os hot spots turísticos de sempre, uma opção a considerar com seriedade. Para quem precisa se esconder, não imagino alternativa melhor. Para quem quer fazer compras, manter as unhas intactas e estrear o vestido novo, acredite: mais vale continuar admirando o Atacama pelos cartazes das agências de viagens instaladas nos shoppings.
Uau!!! Adorei conhecer o deserto pelas suas palavras! Não o deixe terminar, continue caminhando-o pela sua lonjura...
ResponderExcluirBj,
Rô
Às vezes a gente torce o nariz. Depois destorce. Que sorte!
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