Me concedo o direito de não me sentir responsável por aquele que cativo. Me sinto grata, mas responsável é demais
Devia ter uns 14 anos. Estava na sala de aula, olhar compenetrado no quadro-negro, quando de mão em mão chegou até mim um bilhete de uma colega que costumava ser esnobada pela turma e com quem conversara algumas poucas vezes na hora do recreio. Ela me convidava para ir a sua casa à tarde. E concluía com uma sentença: És eternamente responsável por aquele que cativas.
Eu não tinha a menor intimidade com aquela colega e não estava a fim de ir a sua casa. Mas ela havia recorrido a Saint Exupéry. Me impressionou.
Fui à casa dela, conversamos, emprestei uns cadernos, mas nunca ficamos íntimas e nunca mais ouvi falar da garota. Hoje deve ser uma ótima advogada, já que desde menina conhecia as manhas para se convencer alguém.
O que ficou daquela tarde foi o argumento. “És responsável por aquele que cativas.” Acabei rezando por essa cartilha por um longo tempo. Bastava a pessoa simpatizar comigo e eu me sentia na obrigação de ser atenciosa a ponto de fazer coisas que não queria. Até que um dia dei um basta nesse trelelé.
Com todo o respeito ao autor de O Pequeno Príncipe, a terceira obra mais publicada e traduzida no mundo, presença constante nas listas dos mais vendidos mesmo 68 anos depois de ter sido lançado, me concedo o direito de não me sentir responsável por aquele que cativo. Me sinto grata e envaidecida, mas responsável é um tantinho demais.
A frase, que não deixa de ser um bonito verso, ganhou ares de reprimenda e punição. Cuidado: se alguém gostar muito de você, se passar a depender de você, danou-se, será obrigatório adotá-lo. O que era pra ser espontâneo virou um dever.
Devia ter uns 14 anos. Estava na sala de aula, olhar compenetrado no quadro-negro, quando de mão em mão chegou até mim um bilhete de uma colega que costumava ser esnobada pela turma e com quem conversara algumas poucas vezes na hora do recreio. Ela me convidava para ir a sua casa à tarde. E concluía com uma sentença: És eternamente responsável por aquele que cativas.
Eu não tinha a menor intimidade com aquela colega e não estava a fim de ir a sua casa. Mas ela havia recorrido a Saint Exupéry. Me impressionou.
Fui à casa dela, conversamos, emprestei uns cadernos, mas nunca ficamos íntimas e nunca mais ouvi falar da garota. Hoje deve ser uma ótima advogada, já que desde menina conhecia as manhas para se convencer alguém.
O que ficou daquela tarde foi o argumento. “És responsável por aquele que cativas.” Acabei rezando por essa cartilha por um longo tempo. Bastava a pessoa simpatizar comigo e eu me sentia na obrigação de ser atenciosa a ponto de fazer coisas que não queria. Até que um dia dei um basta nesse trelelé.
Com todo o respeito ao autor de O Pequeno Príncipe, a terceira obra mais publicada e traduzida no mundo, presença constante nas listas dos mais vendidos mesmo 68 anos depois de ter sido lançado, me concedo o direito de não me sentir responsável por aquele que cativo. Me sinto grata e envaidecida, mas responsável é um tantinho demais.
A frase, que não deixa de ser um bonito verso, ganhou ares de reprimenda e punição. Cuidado: se alguém gostar muito de você, se passar a depender de você, danou-se, será obrigatório adotá-lo. O que era pra ser espontâneo virou um dever.
Reconheço as melhores intenções do livro, que é belo e merece continuar sendo lido por muitas gerações. Mas a frase, quando usada como ameaça, cria um mal-estar entre cativantes e cativados. Será mesmo que você é responsável por quem se encantou por você?
Sei que há pessoas de má-fé que seduzem os outros por diversão e depois desaparecem, deixando o seduzido chorando abraçado às suas ilusões. Maldade. Não se deve brincar com os sentimentos de ninguém, aprendemos isso antes mesmo de aprender a ler. Mas nos casos em que a sedução se deu de forma não proposital, ninguém deve sentir-se amarrado.
E mesmo quando houve sedução intencional e essa foi retribuída, virando um relacionamento, quem desama primeiro não precisa se sentir culpado se resolver ir embora. Que seja educado, gentil, amável com aquele que tanto o preza ainda, mas está liberado para tocar sua vida de outra forma e à distância. Quem fica deve aprender a fazer o mesmo. Não é fácil ser rejeitado, mas transferir a responsabilidade do seu bem-estar para outra pessoa tampouco é uma atitude cativante.
Nada pessoal, pequeno príncipe. Apenas um contra-argumento.
Sei que há pessoas de má-fé que seduzem os outros por diversão e depois desaparecem, deixando o seduzido chorando abraçado às suas ilusões. Maldade. Não se deve brincar com os sentimentos de ninguém, aprendemos isso antes mesmo de aprender a ler. Mas nos casos em que a sedução se deu de forma não proposital, ninguém deve sentir-se amarrado.
E mesmo quando houve sedução intencional e essa foi retribuída, virando um relacionamento, quem desama primeiro não precisa se sentir culpado se resolver ir embora. Que seja educado, gentil, amável com aquele que tanto o preza ainda, mas está liberado para tocar sua vida de outra forma e à distância. Quem fica deve aprender a fazer o mesmo. Não é fácil ser rejeitado, mas transferir a responsabilidade do seu bem-estar para outra pessoa tampouco é uma atitude cativante.
Nada pessoal, pequeno príncipe. Apenas um contra-argumento.
Boa prosa para se começar uma segunda-feira!
ResponderExcluir"...quem desama primeiro não precisa se sentir culpado se resolver ir embora. Que seja educado, gentil, amável com aquele que tanto o preza ainda, mas está liberado para tocar sua vida de outra forma e à distância..." Este trecho é que doi na(s) alma(s) !
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